Fria, ninguém podia mais levar a
sério a ideia de que a ilha iria acabar
com a democracia no continente
americano. Na década de 2000, Cas-
tro ganhou vários amigos próximos
nos governos esquerdistas do conti-
nente, abraçado literal e figurativa-
mente pelos presidentes Hugo Chá-
vez, da Venezuela; Evo Morales, da
Bolívia; o casal Néstor e
Cristina Kirchner, da Ar-
gentina; e, não é segredo,
Lula e Dilma, do Brasil.
Seria esse “Castro light”
a sumir dos holofotes em
2006, quando veio a público
a notícia de que ele tinha so-
frido uma grave hemorragia
intestinal que quase o levou
já então, não fosse uma ci-
rurgia de emergência reali-
zada no fim de julho. Afas-
tado provisoriamente do
cargo de presidente, ele faria
uma participação no progra-
ma de rádio do presidente da
Venezuela Hugo Chávez, em
fevereiro de 2007. Mas não
voltaria mais ao comando de
Cuba: em fevereiro de 2008,
oficializou a posse do suces-
sor Raúl Castro, seu irmão.
Era o fim de 49 anos no po-
SUCESSÃO EM FAMÍLIA
É provável que Fidel Castro tivesse influência sobre
os rumos de Cuba depois de 2006. Mas seu irmão
mais novo, Raúl, que assumiu o poder, mostrou ter
personalidade própria. Raúl não lançou o país num
programa econômico de matizes capitalistas,
como fez a China depois de Mao, mas inseriu
mudanças para recuperar a economia e dar um
pouco mais de acesso às novas plataformas de
comunicação. Ele permitiu, por exemplo, o acesso
irrestrito a telefones celulares e a venda de
produtos eletrônicos. E deu aos cubanos o direito
de possuir casa própria. Publicamente, recebeu o
apoio de Fidel para todas as decisões – ainda que
várias declarações de Fidel na época possam ser
interpretadas como críticas veladas aos novos
rumos de Cuba. Sob a tutela de Raúl, em 2015,
Cuba e Estados Unidos retomaram relações
diplomáticas. Em março de 2016, o presidente
Barack Obama visitou Havana. Em novembro, os
países restabeleceram voos comerciais.
L
íder, presidente, coman-
dante, herói, revolucioná-
rio, libertador, tirano, di-
tador: Fidel foi um homem
de muitos adjetivos, dados por fãs e
detratores. Até a aposentadoria, em
2008, ele e seu país nunca deixaram
o noticiário. Nas décadas de 1960 e
1970, foi pelas incursões militares na
África e o apoio às guerri-
lhas da América do Sul. Em
1980, com o Êxodo de Mariel
- quando Fidel responde a
acusações americanas de
prender seus cidadãos no
próprio país abrindo o por-
to de Mariel para quem qui-
sesse sair. E, como um pre-
sente ao Tio Sam, mandan-
do alguns indesejáveis na
rota, prisioneiros comuns e
pacientes de instituições
mentais. Na década de 1990,
o foco se torna a imensa pe-
núria em Cuba, resultante
do fim da União Soviética e
a perda de um grande clien-
te e patrocinador, forçando
o país a se abrir ao turismo
e aceitar o dólar em sua eco-
nomia. O que causaria uma
perversa forma de desigual-
dade social, na qual um ta-
EM SEUS ÚLTIMOS ANOS, FIDEL APARECEU
POUCO. MAS, QUANDO O FEZ, FOI PARA
REAFIRMAR SUAS CRENÇAS POLÍTICAS
TEXTO Fábio Marton e Tiago Cordeiro
xista, que ganha em dólar, pode re-
ceber o equivalente a várias vezes o
salário de um reitor de universidade.
Por essa mesma época, o coman-
dante deixou de andar exclusivamen-
te de farda para aparecer de terno. E
as polêmicas começaram a esfriar.
Cuba continuou a ser um regime au-
toritário, mas, com o fim da Guerra
O GUARDIÃO DA
IDEOLOGIA
52 | AVENTURAS NA HISTÓRIA
PODER
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