JANEIRO 2022 Le Monde Diplomatique Brasil 15
é preciso fechar a fronteira e barrar o trá-
fico na entrada e saída do país, antes que
chegue à favela, para que não seja neces-
sário fechar o morro e eles passem pela
experiência de tiroteio entre polícia e tra-
ficantes ou entre grupos de traficantes.
Não por outra razão, de acordo com
pesquisas de opinião, mais da metade
da população brasileira aprova a redu-
ção da maioridade penal e penas mais
duras ao crime. Trata-se de uma agenda
muito forte de Bolsonaro e que atrai o
eleitor jovem e pobre. Isso se reflete no
depoimento de outro jovem, também
em um grupo focal: compra-se um te-
lefone celular com dificuldade para seu
trabalho, que é informal – com baixís-
simo retorno financeiro –, e o aparelho
passa a ser seu meio de trabalho e con-
tato com seu cliente, até que venha um
bandido e o furte dele.
Quanto ao combate à corrupção,
não é possível entender a adesão a Bol-
sonaro sem analisar o que aconteceu
em 2013. As passeatas de junho estabe-
leceram o clima da opinião pública que
apoiou o impeachment da ex-presiden-
ta Dilma Rousseff e o desenvolvimento
da Operação Lava Jato, dos quais Bolso-
naro usufruiu.
As passeatas, que se iniciaram com
uma ideologia mais à esquerda, incor-
poraram outras tendências da direita.
O clima de indignação voltou-se sobre-
tudo contra Dilma, que de junho para
julho viu sua avaliação positiva cair de
55% para 31%, de acordo com dados do
Instituto Ibope.
As queixas que se somaram naque-
le momento seriam o motor na opinião
pública para o impeachment e a eleição
de Bolsonaro: a) estagnação do cresci-
mento econômico; b) insatisfação com
a qualidade do serviço público de saúde,
educação e segurança; e c) percepção de
corrupção e violência urbana.
Para dar noção de números, dados
do Eseb-2018 mostram que 81,5% dos
brasileiros estavam muito insatisfeitos
ou insatisfeitos com a política de gera-
ção de empregos, 76,5% estavam muito
insatisfeitos ou insatisfeitos com a políti-
ca de controle da criminalidade e 62,5%
acreditavam que a Lava Jato estava sen-
do eficiente em combater a corrupção.
Era de esperar que o candidato que con-
seguisse controlar os temas de combate
à criminalidade, ao desemprego e à cor-
rupção teria vantagem em 2018.
Ademais, anos a fio de cobertura das
denúncias da Lava Jato foram capazes
de estimular sentimentos de repulsa
às instituições democráticas tradicio-
nais. Ainda de acordo com o Eseb-2018,
enquanto a religião católica (81%), a
religião evangélica (77%), a Polícia Fe-
deral (82%) e as Forças Armadas (71%)
desfrutavam de altas taxas de avaliação
positiva, partidos (22%), Congresso Na-
cional (23%) e governo federal (44%) re-
cebiam poucas avalições positivas. Em
meio ao desgaste com a política e suas
infelizmente, é politicagem. (Moradora
do Rio de Janeiro, classe C, ensino médio)
Ao fim e ao cabo, verifica-se que as
razões para o apoio a Jair Bolsonaro em
seu terceiro ano de mandato permane-
cem sendo o combate à corrupção, a
agenda de costumes a favor da família,
o liberalismo econômico e o discurso da
lei e da ordem. Insere-se agora, entre as
justificativas, sua atitude diante da Co-
vid-19, marcada pela negação da gravi-
dade da doença, a defesa da cloroquina
como solução para a pandemia em con-
traposição à vacina e a postura contrária
às medidas de isolamento social e à im-
posição que se use máscara.
As pessoas que deixaram de apoiar
Bolsonaro tendem a dizer que não viram
entrega de resultados pelo mandatá-
rio tanto no combate ao crime e à cor-
rupção como no avanço da economia.
Mesmo entre os religiosos, começa-se
a questionar o coração cristão do pre-
sidente diante de atitudes e manifesta-
ções vistas como sem compaixão.
Em meio a tudo isso é que a teoria
da conspiração é acionada como uma
maneira de defender o presidente. Na
narrativa apresentada, o presidente é
tomado como herói solitário e vítima.
Seu adversário segue sendo o siste-
ma político corrupto e ineficiente, que
abandona o povo. A lista é grande e in-
clui STF, Congresso, governadores, im-
prensa, entre outros.
Aplicada à realidade da Covid-19, a
narrativa de defesa mostra o presidente
como vítima de um sistema político: ele
fez sua parte, enviando recursos federais
para o combate à pandemia, montan-
te que foi desviado por governadores e
prefeitos corruptos. Por sua vez, a mídia
não anunciou tais repasses como deve-
ria, mostrando também indisposição
com o mandatário.
Da mesma forma, avaliam que Bol-
sonaro lutou pelo direito do trabalhador
de ganhar seu sustento ao se posicio-
nar contra o lockdown. Neste caso, ele
fala alto para trabalhadores informais,
ambulantes, prestadores de serviços e
comerciantes. Bate no Estado, que clas-
sifica como um entrave e que, além de
não promover, dificulta a geração de
emprego e renda.
Todos os componentes da teoria da
conspiração são identificáveis nas falas.
Até mesmo a ideia de que há uma frau-
de, em que médicos incentivados por
dinheiro notificam casos que não cor-
respondem ao coronavírus. Qualquer
leitura oficial não é confiável, afinal, por
a+b, é sempre mal-intencionada. Essa
mesma lógica se aplica ao debate da
fraude eleitoral e outros.*Luciana Veiga é professora titular da
Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro, bolsista Produtividade de Pesqui-
sa CNPq e professora visitante da Universi-
dad de Granada, becaria da Fundación
Carolina.instituições democráticas, todos desa-
creditados, Bolsonaro – ex-capitão com
apoio expressivo das Forças Armadas e
de igrejas neopentecostais – apareceu
como candidato antipolítica, capaz de
trazer mais emprego, mais segurança
pública e menos corrupção, por meio do
resgate da ordem e da lei.
Os anos se passaram e Bolsonaro
entregou muito menos resultado do
que se esperava dele tanto na área de
combate à corrupção quanto na polí-
tica pública de segurança pública e na
economia. No entanto, entre seus adep-
tos, esses temas ainda são associados a
ele, como pode ser visto no trecho ex-
traído do grupo focal:
I. - Quem defende ele pode falar, não é?
Militarismo.
F. - Ele prega muito a família, então eu
acho que ele deveria botar a família na
frente agora que acontecendo a Covid, e
ele está colocando? Não!
É. - Eu acho que é a honestidade. Na ver-
dade, ele não defende só a família, ele é
contra a corrupção. Se você investigar a
vida do Bolsonaro, dele, você não vai en-
contrar nada.
W. - Ele defende o posicionamento de uma
família padrão. Combate a corrupção, ele
é muito patriota, enquanto vários outros
aí não são, isso aí é ser bolsonarista.
S. - Ele defende o seu dinheiro e o meu
dinheiro.
F. - Que é isso, gente? Os filhos dele estão
cheios de denúncia. Pelo amor de Deus,
ele está encobrindo tudo!
S. - O assunto aqui é ele.
É. - Mas você que está falando que ele de-
fende os filhos. Se fosse o seu filho, você
não iria defender?
F. - Não. Porque minha mãe, até hoje
quando eu faço uma coisa errada, ela é
a primeira a me corrigir como mulher e
como mãe. Eu também, como filho, se eu
tivesse um filho, eu faria a mesma coisa.POLARIZAÇÃO, DESINFORMAÇÃO
E TEORIA DA CONSPIRAÇÃO:
os sustentáculos do
mandato de Bolsonaro
em realidade de Covid-
Desde o início de seu mandado, Bolso-
naro tem se mostrado um presidente
que aposta na polarização da opinião
pública. Deprecia oponentes políticos
e fomenta a desinformação e o nega-
cionismo, atitudes que têm se mostrado
estruturais na adesão a ele. Deslegitima
pessoas públicas, partidos políticos,
Congresso Nacional, Supremo Tribunal
Federal, jornalistas e imprensa. Nega até
hoje uma das maiores crises sanitárias
de todos os tempos, a qual denominou
de “gripezinha”.
Bolsonaro perdeu apoio na opinião
pública no decorrer de seu mandato.
Desde que a pandemia de Covid-
chegou, agarrou-se sobremaneira ao
negacionismo da doença e dos achados
e orientações da comunidade científica
mundial, que também passou a atacar.Valeu-se da desinformação e da teoria
da conspiração para dar coesão ao seu
eleitorado mais fiel. Ocorre que este foi
minguando com o decorrer do tempo, e
as últimas pesquisas de opinião de de-
zembro de 2021 chegam a apontar 22%
de intenção de voto para o presidente no
primeiro turno.
Entender o uso que o bolsonaris-
mo faz da desinformação e da teoria da
conspiração é essencial para assimilar
as estratégias de adesão ao presidente
em seu terceiro ano de mandato. Tipi-
camente, as teorias da conspiração são
profícuas em termos de desconfiança e
descrença de tudo, dispensam evidên-
cias e se estruturam em contradições.
Tendem, inclusive, a ser hipercéticas
em relação a toda informação que não
as reforce.
Em “O manual das teorias da cons-
piração”, Stephan Lewandowsky e John
Cook elencaram seus elementos: a)
contradição (constata-se falta de com-
promisso com a coerência da narrativa);
b) suspeita absoluta, com ceticismo em
relação à narrativa oficial, e desconfian-
ça extrema de tudo; c) intenção nefasta
(não se acredita em boa intenção por
trás da teoria da conspiração); d) algo
deve estar errado (sempre se vê fraude
por trás da narrativa oficial); e) vítima
perseguida (os teóricos da conspiração
se veem dessa forma e, paralelamente,
como resistentes enfrentando conspi-
radores); f ) autopercepção de vítima e
de herói; g) imunidade às evidências,
autoajustáveis (uma evidência que con-
trarie uma teoria é reinterpretada como
se fosse parte da conspiração); h) rein-
terpretação da aleatoriedade (prevalece
a crença de que nada acontece por aca-
so, e pequenos eventos aleatórios são
adicionados a uma narrativa ampla e
interconectada).
Analisando fragmentos de oito gru-
pos focais realizado no Rio de Janeiro,
fica evidente como os discursos de de-
fesa se sustentam entre os 22% de elei-
tores que permanecem com Bolsonaro.
O relato a seguir traz os elementos da
teoria da conspiração nas justificativas
para a adesão a Bolsonaro com base em
seu desempenho em relação à Covid-19.
Eu já ouvia da minha vó: uma an-
dorinha só não faz verão. Eu trabalho
diretamente com Covid. O que acontece?
Virou politicagem. A doença está aí, hoje
em dia ninguém morre mais de câncer,
de aids, de outras doenças. Eu tenho um
amigo meu que é médico e que trabalha
em UPA. Eles são obrigados a dar uma
certidão de óbito por Covid porque a UPA
ganha 30 mil reais. Se é verdade, eu não
sei. O Jair Bolsonaro depende da Câmara
dos Deputados e do Senado, e a maioria
é oposição, então tudo que ele for fazer
eles são contra. Então, infelizmente, essa
pandemia vai acabar quando ele sair
do governo. Aí as pessoas vão esquecer a
Covid, aí voltam a ter diabetes, ter aids,
ter câncer, a dengue vai retornar. Então,