JANEIRO 2022 Le Monde Diplomatique Brasil 7
pobreza. O número de famílias que não
têm acesso, mas têm direito, a essas aju-
das (uma em cada três), acarretando um
prejuízo de 10 bilhões de euros,^7 suge-
re que essa ideia não é completamente
desarrazoada. Enfim, desmentindo as
pesquisas de opinião, a insegurança e
a imigração não aparecem nas preocu-
pações das pessoas interrogadas. Isso
se dá, provavelmente, porque a cena
política está saturada de falatório em
torno desses temas, em detrimento dos
outros: nossas perguntas, de fato, eram
sobre preocupações que não encontram
eco político ou sindical.
Para apresentar tais propostas, pre-
cisamos de organizações. Quais? Pro-
blema: todas, à esquerda, estão desacre-
ditadas junto ao nosso público. Crítica
adicional: sua linguagem, “que não se
parece com a nossa”. Trata-se de con-
versa fiada e palavrório de papel, em
contradição com a falta de ações con-
cretas, de efeitos práticos imediatamen-
te palpáveis. E há também a forma das
organizações, vista como um sistema
permanente de premiação ao ego, ao
dinheiro, às honrarias, aos cargos: “Eles
estão lá para mamar”. Acima de tudo, es-
sas convicções se nutrem de um desin-
teresse mais profundo, baseado em um
fato central expresso com a maior cer-
teza: “De qualquer modo, a política não
muda a vida”. A jovem esteticista que
nos resumiu, com uma frase, esse sen-
timento comum a todos ignorava que a
ambição de “mudar a vida”, tomada de
Rimbaud, foi justamente o lema de uma
esquerda que conclamava à ruptura.
Além do mais, a ausência de alterna-
tiva prática e teórica alcançou seu obje-
tivo: em se tratando de política, é inútil
interessar-se, envolver-se, engajar-se,
“pois nada muda e os que lucram são
sempre os mesmos”. Mas é exatamente
deles que depende a mudança, confor-
me mostra a história. O amplo descrédi-
to no qual mergulharam as formações de
esquerda sugere uma pista, evocada pe-
los próprios interessados: “Montar uma
organização com gente como a gente”.
Como eles sociologicamente, mas tam-
bém politicamente: sem finalidade elei-
toral, ao menos num primeiro momen-
to. Uma organização que se preocuparia
com a vida concreta das pessoas, com a
geladeira vazia (ajuda alimentar), com
o preço da escola (caixa de previdência
para a escola, assistência escolar), com o
preço do lazer (cinema solidário, excur-
sões baratas) etc. Essa organização está
para nascer. O movimento operário, no
passado, construiu muitas... Se essas ati-
vidades militantes subsistem ou mesmo
voltam a despertar interesse, são agora,
em grande parte, animadas pela “socie-dade civil” – “iniciativas cidadãs” de to-
dos os tipos, associações, cooperativas,
bancos de alimentos...
É de crer que esse tipo de projeto
já não apaixone as organizações de es-
querda como antes. Assim, o pós-Cole-
tes Amarelos viu florescer uma unani-
midade quase inédita em seu seio con-
tra a privatização do grupo Aéroports de
Paris. Explica-se agora, por toda parte,
que seria ir no sentido histórico dos
Coletes Amarelos, com o referendo de
iniciativa partilhada, que todas as rota-
tórias do país o controlassem etc. Pouco
importava que quase todos os ocupan-
tes das mesmas rotatórias as tivessem
invadido, pois não podiam se servir de
seus carros e muitas vezes nunca hou-
vessem subido num avião... E que a
sociologia eleitoral da participação no
referendo revelasse “um votante típico
na esquerda, que tem diploma e dispõe
de um capital cultural importante”.^8 As
grandes campanhas “populares” lança-
das recentemente, pelas mesmas orga-
nizações formadas pelos mesmos mili-
tantes, contra o 5G e a Amazon – com
argumentos ecológicos que raramente
constituem o centro das preocupações
populares – não tiveram grande sucesso
nas profundezas do país. Só lhes restará
um mantra a recitar, o da última greve
geral vitoriosa na França. Em 2009, o Li-yannaj Kont Pwofitasyon (LKP, Coletivo
contra a Exploração sem Limites) orga-
nizou 44 dias de paralisação em Guada-
lupe. A centelha que inflamou a Guiana
e as Antilhas francesas, provocando as
primeiras barricadas e ocupações de ro-
tundas: o preço da gasolina...*Pierre Souchon é jornalista.1 Révolution Permanente, 20 nov. 2019. Dispo-
nível em: http://www.revolutionpermanente.fr.
2 “Contre le gouvernement des riches, bloquer
l’offensive, taxer les profits, augmenter les re-
venus” [Contra o governo dos ricos, bloquear
a ofensiva, taxar os lucros, aumentar a renda],
NPA, Montreuil, 13 nov. 2018.
3 M. Fabrice Angéï, citado em Libération, Paris,
12 nov. 2018.
4 L’Avenir en comum. Le programme pour l’union
populaire [O futuro em comum. O programa
para a união popular], La France Insoumise,
18 nov. 2021.
5 Vivant. Liberté, égalité, fraternité, biodiversité.
Projet pour une République écologique [Vivo.
Liberdade, igualdade, fraternidade, biodiversi-
dade. Projeto de uma República ecológica],
Europe-Écologie-Les Verts, 16 mar. 2020.
6 Construisons la France en comum [Construa-
mos a França em comum], Parti Communiste
Français, 12 jun. 2020.
7 Dominique Esway, “Au moins dix milliards
d’euros d’aides sociales ne sont pas re-
clamés” [Pelo menos 10 bilhões de euros em
ajudas sociais não são reclamados], France
Bleu, 15 jun. 2018.
8 Étienne Girard, “Référendum ADP: qui a signé
et qui s’en fout? Sociologie du RIP” [Referen-
do ADP: quem votou e quem nem ligou? So-
ciologia do RIP], Marianne, Paris, 19 jul. 2019.© Benoit Tessier/REUTERS
As classes populares estão preocupadas com o aumento do custo de vida. Manifestante com cartaz: “O capitalismo está nos matando”