JANEIRO 2022 Le Monde Diplomatique Brasil 9
obter quase 8% dos votos nas eleições
europeias, além de cinco eurodeputa-
dos. Uma entrada notável na cena polí-
tica espanhola, que o impulsionou para
a quinta posição, atrás do PP (26%), Psoe
(23%) e Izquierda Plural (10%), uma co-
ligação de partidos de esquerda regio-
nais. Todos os olhares então se voltaram
para as eleições gerais de 2015, mas o
Podemos engajou-se em uma sucessão
frenética de batalhas eleitorais: entre as
eleições europeias de maio de 2014 e
as eleições regionais na Galiza e no País
Basco de setembro de 2016, o partido
participou de sete grandes consultas. Ele
fez campanha permanente, embora suas
bases ainda estivessem em construção.
Como resume Errejón, era como “correr
e amarrar o cadarço ao mesmo tempo”.^11
Colocou-se em ação aquilo que Er-
rejón chamou de “máquina de guerra
eleitoral”, dedicada a alcançar a vitória
o mais rápido possível, em uma estra-
tégia de blitzkrieg. Dentro do partido,
estabeleceu-se o primado da eficácia:
o funcionamento vertical, mais rápido,
prevaleceu – bem como a participação
plebiscitária dos militantes, aos quais se
pedia que limitassem suas intervenções
nas longas deliberações democráticas
baseadas na Constituição e na estrutu-
ração de uma base militante.
“Esse foi o primeiro choque político
entre os universitários do partido e nós”,
explica Urbán, um dos fundadores do
Podemos e membro do Izquierda Anti-
capitalista antes de esse partido ser dis-
solvido para se tornar uma associação
cultural (intitulada Anticapitalistas), po-
dendo assim ser acomodado dentro do
Podemos. O pequeno partido tinha uma
base de várias centenas de militantes
altamente politizados. Estabelecido nas
grandes cidades, ele forneceu ao Pode-
mos seu primeiro quadro organizacio-
nal, tendo um papel decisivo em seu es-
tabelecimento territorial. Para Urbán, a
“deriva plebiscitária” caracterizada pelo
uso maciço da consulta e da votação on-
-line, “em que todos podiam participar,
colocando no mesmo nível militantes e
simples membros”, condenou os “círcu-
los” que estruturavam a base “a ser nada
além de simples apêndices consultivos
ou comitês de campanha”.
“VOCÊ QUER PABLO
IGLESIAS, SIM OU NÃO?”
Para Teresa Rodríguez, líder dos Antica-
pitalistas e deputada pelo Podemos na
Andaluzia até fevereiro de 2020 (data em
que deixou o partido para criar o Ade-
lante Andalucía), “o Podemos abriu mão
de ter uma organização de massas, mi-
litante, com quadros formados. Não se
substitui um debate entre camaradas,
cara a cara, onde se trocam argumentos
contraditórios e se busca um acordo, por
uma série de ‘sim’, ‘não’ ou ‘abstenções’
em uma máquina. Os militantes se for-
mam e amadurecem por meio da discus-
são e do debate. Na verdade, a pergunta
feita aos membros sempre foi: ‘Você quer
Pablo Iglesias, sim ou não?’. E, como todo
mundo entrou no Podemos porque o
adorava, a resposta sempre foi ‘sim’”.
“O Podemos precisava das bases,
mas, ao mesmo tempo, as depreciava”,
completa Guillermo Fernández, pesqui-
sador de Ciência Política. Como a priori-
dade da liderança do Podemos era evitar
os erros que eles imputavam à extrema
esquerda, ela se esforçava para “se opor
ao que as bases queriam, por medo de
ficar em minoria”. Fernández conta que
um dia Errejón lhe explicou: “Sempre
segui a linha contrária à das bases: se
alguém dos Anticapitalistas ou dos trot-
skistas dizia A, eu dizia B. Minha bússola
era a extrema esquerda, de onde venho,
e eu ia sempre na direção oposta”. No
entanto, acrescenta Fernández, “o Pode-
mos precisava das bases, principalmen-
te as mais ideologizadas, para fazer o
trabalho de campo: afixar cartazes, tocar
as campanhas eleitorais etc.”.
Esse desejo de não parecer muito en-
gajado levou o Podemos a apoiar amplas
coalizões nas eleições municipais. Eles
ganharam as prefeituras de várias cida-
des importantes do país, incluindo Ma-
dri, Barcelona, Cádiz, Saragoça e La Co-
ruña. “Essas eleições foram um de nossos
melhores resultados eleitorais”, lembra
Urbán. Confrontadas com as realidades
da prática do poder, as maiorias apoiadas
pelo Podemos muitas vezes tiveram de
forjar alianças e compor com municípios
endividados, governos relutantes em
mudar e competências limitadas depen-
dentes de avanços legislativos de escala
nacional. A dificuldade então era conse-
guir distinguir-se das outras formações e
da dita esquerda “tradicional”...
No entanto, o Podemos continuou
evitando declarações que demarcassem
as divisões: “Os programas nos obrigam
a tomar partido e, quanto mais toma-
mos partido, mais as pessoas encontram
razões para discordar de nós”, explica
Monedero. “O primeiro documento, de
2014, redigido para os europeus, bus-
cava trazer ideias oriundas dos movi-
mentos sociais da época, como a renda
básica universal, o referendo sobre a
monarquia, a moratória para o paga-
mento da dívida pública”, conta Rodrigo
Amírola, que ajudou a escrevê-lo. “Mas,
quando vimos que tínhamos cada vez
mais chances de vencer, dissemos a nós
mesmos que era preciso nos moderar
um pouco, para reunir mais gente e não
parecer radicais demais.”
Foi assim que, no verão de 2015,
quando no meio da crise grega o líder da
esquerda radical Alexis Tsipras – eleito,
também ele, para “virar a mesa” – fez vá-
rias concessões em relação a seus credo-
res, Nacho Álvarez, secretário de Econo-
mia do Podemos, declarou: “Não acredi-
tamos que um processo de reestrutura-
ção da dívida [...] seja o que a Espanha
precisa neste momento”.^12 Seguiu-se
um profundo pessimismo quanto à
possibilidade de implementar políticas
de combate à austeridade e mudanças
políticas consequentes dentro da União
Europeia, onde a Troika (FMI, Banco
Central e Comissão Europeia) conseguia
bloquear os governos heterodoxos.
Na mesma época, o humor da mídia
mudou. “As florescentes reportagens so-
bre personagens folclóricos e inofensivos
que haviam montado um partido em
uma garagem, com três computadores e
dois telefones”,^13 foram substituídas por
denúncias diárias de escândalos (todas
depois arquivadas) sobre o suposto finan-
ciamento do partido pelo governo da Ve-
nezuela ou do Irã, ou sobre a hipótese de
que os líderes do Podemos eram na ver-
dade agentes de “ditaduras comunistas”
latino-americanas, lembra Errejón. Essa
virada da imprensa mostrou a fragilidade
de uma estratégia baseada na televisão: o
partido se descobriu destituído de outros
canais para chegar a seus apoiadores.
Para Monedero, “foi um erro pensar que
era preciso colocar toda a energia na tele-
visão e que bastava Pablo Iglesias estar lá
para transformar este país. [...] Ele nunca
esteve em campo, ele não entendia a uti-
lidade disso”. A imprensa se revelou um
espaço acolhedor, desde que o Podemos
parecesse inofensivo.
Com a aproximação do prazo crucial
das eleições gerais de 2015, o tom do dis-
curso do Podemos sobre as instituições
espanholas mudou. Enquanto no início
do movimento seus dirigentes multipli-
cavam os ataques frontais contra o “re-
gime de 78” e defendiam a ideia de uma
Assembleia Constituinte para envolver
o conjunto dos espanhóis na redefini-
ção do quadro institucional herdado da
Constituição de 1978, depois a ideia de-
sapareceu. Não se tratava mais de der-
rubar um sistema, mas de desalojar a
casta, cuja queda bastaria para o adven-
to de uma democracia mais satisfatória.
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