Exame Informática - Portugal - Edição 318 (2021-12)

(Maropa) #1
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/ TENDÊNCIAS

ATUALIZAR


O SOFTWARE? SÓ


DAQUI A DOIS ANOS


Mudança na legislação europeia de dispositivos médicos
leva a congestionamento na certificação e compromete
a aprovação de aplicações e software de uso hospitalar,
sobretudo os mais avançados, como os de apoio
à decisão ou que integram sistemas de IA

Tex t o : Sara Sá Foto: D.R.

D


eve haver poucas definições tão
vastas como a de dispositivo
médico. Tanto uma compressa,
como umas lentes de contacto ou um
pacemaker fazem parte dos cerca de
meio milhão de dispositivos utilizados
na Europa. Mas também uma aplicação
de reconhecimento de sinais ou de cál-
culo de dosagens de medicamentos ou
um software utilizado para prescrever
análises clínicas cabe nesta classificação.
Dois graves problemas de saúde pú-
blica recentes – o dos implantes mamá-
rios franceses da marca PIP, em que era
usado silicone industrial, e o de próteses
metal/metal – levaram a que na Euro-
pa se alterasse a legislação do setor, de
forma a torná-la mais rigorosa e à prova
de falhas. Ao apertar a malha, muitos
equipamentos subiram de classificação
e passaram da classe de risco mais bai-
xa – classe 1– que dispensa certificação,

para uma categoria acima, o que exige a
verificação e validação por um organis-
mo notificado. Ora isto veio provocar um
pequeno caos no setor. Por um lado, há
entidades que perderam as competên-
cias como certificadores, por outro, esta
‘promoção’ criou uma lista muito maior
de dispositivos que agora têm de passar
pelo processo. É o que está a acontecer
com o software de utilização médica
que, regra geral, subiu de classe de risco.
“Um sistema de marcação de consultas
não precisa de ser certificado. Mas já se
processar dados e fornecer informação
baseada nestes dados, sim”, esclarece
Miguel Amador, responsável pelo EIT
Health Portugal, uma joint venture da
UE com um vasto conjunto de univer-
sidades e instituições de investigação e
transformação digital no setor da Saúde.
E obviamente que a tendência é que o
software de utilização médica venha a

ser cada vez mais complexo e autóno-
mo, com a integração de tecnologia de
Inteligência Artificial em plataformas de
apoio à decisão médica, diagnóstico e até
recomendação de terapêuticas.

MAIS TEMPO, MAIS DINHEIRO
Só que toda esta anunciada revolução na
medicina, acelerada pela pandemia, está
agora a ser travada pela alteração do re-
gulamento, que entrou em vigor no final
de maio, depois do prazo ter sido adiado
por um ano em virtude da emergência
global. “O processo agora pode demorar
muito mais tempo, anos, e é muito mais
caro”, sublinha a consultora especialista
em assuntos regulamentares Célia Cruz.
Na Complear Health, que fundou, tem
ajudado algumas empresas, sobretudo
startups, a passarem pelo processo de
certificação, para o qual não estão mi-
nimamente preparadas. “É uma área
que tem vindo a crescer bastante nos
últimos tempos. A pandemia tornou-nos
mais habituados a interagir e aumen-
tou muito o número de apps e software
na área da saúde, ao mesmo tempo que
aumentam os requisitos. E a legislação
é a mesma para um pacemaker, lentes
de contacto e software”, sublinha. O
que representa um desafio extra para
empresas pequenas, focadas na área do
software e com zero experiência quer nas
questões regulatórias quer na linguagem
médica, com conceitos como segurança
(clínica e não informática!) ou evidência.
Para piorar a situação, não há nenhum
organismo notificado em Portugal capaz
de validar um software médico. “Pode
vir a demorar um a dois anos a colocar
um novo software no mercado”, revela
Miguel Amador. O que compromete até
as atualizações dos programas.
Um consórcio formado pelas universi-
dades de Aveiro, Coimbra e Beira Interior
estará a tentar formar uma entidade cer-
tificadora de dispositivos médicos, com
especial foco no software – mas todo
este processo pode demorar também
anos a concluir. “As grandes empresas
já têm a máquina montada. Agora, para
as pequenas, a maioria, está a ser muito
complicado. Perdeu-se agilidade, algo
que habitualmente distingue as star-
tups”, observa Célia Cruz, que deixa o
aviso: “Queremos mais segurança, mas
é possível que percamos inovação.” „
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