Exame - Portugal - Edição 452 (2021-12)

(Maropa) #1
DEZEMBRO 2021. EXAME. 51

UMA ESPÉCIE DE TANGO
“Sendo muito sincera, acho que há um
alinhamento a fazer, quando se ‘recebe’
uma empresa. No meu caso, estou dire-
tamente ligada a quem fundou, porque
sou a segunda geração. A ligação da mi-
nha mãe à Viterbo é total, completa e uni-
versal, porque foi a pessoa que suou, que
acreditou, que fez tudo para levantar do
nada uma marca que, na nossa indústria,
pôs Portugal no mapa. E que represen-
tou Portugal no mundo inteiro”, lembra.
“E sobretudo numa altura em que, para
as mulheres, era ainda mais difícil, por-
que os setores da construção, do materi-
al eram setores de homens.” E salienta:
“A responsabilidade que eu sentia nos
ombros, no início, de manter o nome e
a qualidade no mercado foi enorme. De
alguma forma, os olhos das pessoas,
aquando da transição de liderança numa
empresa familiar, estão mesmo a ver se é
um make it or break it. ‘Vai conseguir ou
vai afundar isto?’ [risos].”
E é claro que há reticências no mo-
mento de passar o testemunho, admi-
te a executiva, que pede também que se
normalizem essas dificuldades. Porque
se, por um lado, para quem o recebe é
continuar o trabalho de alguém que ad-
mira, por outro, para quem passa esse
testemunho, é um exercício de humil-
dade e de alguma resignação. “É como
dançar uma espécie de tango, em que
uma pessoa tem de largar e a outra tem
de receber, mas em que ambas têm de
respeitar o caminho e a visão de cada
uma”, sorri, enquanto exemplifica, com
as mãos, o movimento desta troca de lu-
gares. É que os filhos são diferentes dos
pais, têm visões diferentes, experiências
diversas e são, naturalmente, pessoas e
gestores díspares. Respeitar isso, de parte
a parte, é o grande desafio.
E porque é que as transições são tão
relevantes nas empresas familiares? Por-
que, explicam, nestas organizações o tra-
balho é muito mais do que apenas traba-
lho: ele faz parte do dia a dia, entra nas
conversas de todos, não fica no escritório
e faz-se sempre convidado para a mesa
do jantar.
Isso torna mais difíceis algumas de-
cisões que, inevitavelmente, têm de ser

tomadas. É por essa razão que ambas as
responsáveis são taxativas quando se fala
de construir paulatinamente, ainda que
sem pressas, uma estrutura que acom-
panhe as ambições de crescimento, e de
como isso implica alguém ter de assumir
responsabilidades, mesmo quando a fa-
mília possa preferir que tudo seja deci-
dido em conjunto. Portanto, defendem,
também não há que ter medo de abrir
a organização a pessoas de fora, se esse
caminho for o garante da sobrevivência
da marca. “Há muito o perigo de as em-
presas familiares desaparecerem porque
acham que elas têm de ficar apenas na
família. Mas temos de não ter medo de
as abrir a pessoas experientes”, defende
Leonor Freitas.
Ainda que essa não seja uma preocu-
pação sua, pelo menos para já – a filha
Joana estudou Gestão e está já a prepa-
rar-se para assumir a liderança –, a res-
ponsável não tem quaisquer pruridos em
considerar esse cenário.
Ao lado, Gracinha anui e dá o exemplo
da parceria que, entretanto, estabeleceu
com o seu marido, Miguel Vieira da Ro-
cha. “No meu caso, tenho o meu marido
ao lado desde o início. Criámos uma par-
ceria em que ele concebeu toda a parte
de internacionalização, que a Viterbo não
tinha tão estruturada.”
A Viterbo Interior Design já tem atual-
mente raízes em África e na Ásia, e esten-
deu também os seus projetos ao Brasil.
“Quando fomos para a Ásia, por exemplo,
houve uma altura em que a Viterbo esta-
va a trabalhar 24 horas sobre 24 horas, e
sem a estrutura que se tem no corporate.
Portanto, quando não se tem uma equipa,
tem de se criar uma”, nota a empresária,
aproveitando para introduzir outro tema
que lhe é caro: “É aqui, nestes momentos,
que os nossos colaboradores se tornam
família.”

FOCO NO POTENCIAL, E NÃO
NAS FRAQUEZAS
E ainda que os especialistas digam que
tratar os funcionários como família pode
não ser a melhor estratégia da gestão, a
verdade é que ambas as responsáveis dis-
cordam.
“É claro que, no topo da pirâmide,

“É como dançar


uma espécie


de tango, em que


uma pessoa tem


de largar e a outra


tem de receber,


mas em que ambas


têm de respeitar


o caminho e a visão


de cada uma”

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