Exame - Portugal - Edição 452 (2021-12)

(Maropa) #1
54. EXAME. DEZEMBRO 2021

Opinião


H


oje, desali-
nho do tema
de capa. Re-
centemen-
te, durante
a condução dos trabalhos de
uma reunião de administração
de uma das empresas do gru-
po que lidero, aconteceu aquilo
que há muito não assistia: duas
pessoas entraram em desacor-
do, mudaram o tom de voz, e
alteraram-se emocionalmen-
te... muito. De repente, já todas
as pessoas na reunião estavam
nesse estado. As palavras aqui
neste texto estão suavizadas,
porque, de facto, o que se sen-
tiu na sala foi um grande des-
conforto de todos os presen-
tes provocado pelas alterações
emocionais entre as pessoas.
No fundo, desalinharam-se –
bem diferente de ter apenas
uma opinião diferente – e todo
o trabalho de geração de confi-
ança que se faz diariamente, foi
posto em causa. Pior: a reunião
terminou com aquela sensação
estranha de “azedume” – para
todos –, de quem não queria
que o episódio tivesse aconte-
cido... mas aconteceu. Onde é
que já viu isto?
Há estudos sobre conselhos
de administração disfuncionais,
e percebe-se bem porquê. Não
é, de todo, este o caso. Aliás,
como referi, há muito não assis-
tia a este tipo de situação. Tentei
sistematizar este tipo de reações
observáveis, e entender, do pon-

Quando a (des)Confiança


chega ao Ringue de Boxe!


Como evitar que uma normal discordância profissional escale


para um combate pessoal? E qual o papel que a liderança deve ter
para enquadrar as trocas de ideias e salvaguardar o coletivo?


to de vista do comportamento
humano e da liderança, o que se
passou, e o que se poderia fazer:


  1. Existem os factos. Os fac-
    tos são os acontecimentos ou as
    ações sobre os quais as decisões
    devem ser tomadas;

  2. E existem as perceções
    sobre os factos. É aqui que co-
    meçam as diferenças. As perce-
    ções sobre os factos podem ser
    diferentes. Então cada pessoa
    tenta que o outro fique com a
    mesma perceção sobre os fac-
    tos, esgrimindo a sua própria
    racionalidade dos argumentos.
    O que sabemos é que quando
    isso não acontece, começa a
    exaltação e o desalinhamento;

  3. Passamos então a carre-
    gar nos botões emocionais do
    outro, para garantir “vitória” na
    discussão, esquecendo os factos
    e os pontos de partida na perce-
    ção de cada um sobre os factos;

  4. O que sabemos é que nes-
    te processo não há vitória nem
    derrota. E quem sobe ao “ringue
    de boxe”, mesmo quem – teo-
    ricamente e hipoteticamente –
    ganha, sai “magoado”. O pro-
    blema mesmo, é ir ao ringue!

  5. É normalmente nesta fase



  • em cima do ringue, no com-
    bate – que nos esquecemos do
    último propósito da liderança:
    o cuidado com o coletivo. Isto
    é válido para qualquer equipa.
    Nesse mesmo dia, falei com
    as várias pessoas da reunião, e
    pedi desculpa por ter permitido
    que a discussão chegasse àque-


Quantas vezes
assistimos,
na sociedade,
a divergências
no “ringue
de boxe”,
desligadas
dos factos,
das necessidades
reais das pessoas
e das empresas,
das equipas, das
comunidades?

> CEO da VINCI Energies Portugal

POR
PEDRO AFONSO

le ponto. A reflexão que fiz, já
com umas horas de distância,
é que a profissão de gestor é de
uma multiplicidade de experi-
ências na relação com os ou-
tros, que a torna enorme e das
mais interessantes para conhe-
cermos melhor o ser humano.
A responsabilidade da lideran-
ça, neste caso, foi total: alguns
temas merecem – obrigatori-
amente – um framework de
preparação prévia, que garanta
que uma discussão se mante-
nha saudável à volta de factos, e
que permita que se discorde. É a
partir daqui que construímos as
melhores soluções, e uma forte
relação de confiança.
Quantas vezes assistimos,
na sociedade, a divergências
no “ringue de boxe”, desligadas
dos factos, das necessidades re-
ais das pessoas e das empresas,
das equipas, das comunida-
des? E para que servem? Para
que coletivo? Somos emocio-
nalmente dotados, e devemos
permitir que estes momentos
aconteçam, mas é preciso re-
cuperar sempre a linha que
foca a execução e os factos.
Cabe às lideranças o correto
sentido agregador. Cabe às li-
deranças garantir e assegurar
um contexto de confiança, as-
sim como escolher bem as pes-
soas que assegurem que esse
caminho é possível. Cabe às
lideranças colocar a confiança
fora do “ringue de boxe”... to-
dos os dias! E
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