Exame - Portugal - Edição 452 (2021-12)

(Maropa) #1
60. EXAME. DEZEMBRO 2021

Opinião


D


epois de um
ano atípico,
a mais re-
cente edi-
ção da Web
Summit regressou ao forma-
to presencial e trouxe consigo
pessoas dos quatro cantos do
mundo. Como uma avalanche,
palavras como “empreendedo-
res” ou “empreendedorismo”
figuraram nos meios de comu-
nicação social e foram amplo
tema de conversa entre vários
circuitos das agendas pública e
política. No entanto, já há lar-
gos anos que temos assistido
à utilização massificada destes
termos.
Estando atualmente com
associações desvirtuadas e
até com conotações negativas,
ainda me lembro de ter escri-
to pela primeira vez a palavra
“empreendedorismo” num
editor de texto e a palavra ser
considerada erro ortográfico.
Creio que só por volta de 2007
é que o termo entrou no dicio-
nário do Microsoft Word (ou
então foi só nesse ano que me
dei conta disso!).
Tenho acompanhado com
satisfação o recente interes-
se na criação de startups em
Portugal. Fico também con-
tente que uma boa parte deste
interesse seja proveniente do
estrangeiro. Mas se é verdade
que as startups portuguesas
estão a crescer, também será
verdade que podemos acele-
rar este processo?

quo. São estes fatores, quando
considerados no seu todo, que
criam um ambiente virtuoso e
dinâmico, atraindo até os em-
preendedores mais talentosos,
uma força de trabalho altamen-
te qualificada, assim como capi-
tal para investir.
David Landes, um historia-
dor económico influente, de-
fendeu que “se aprendemos algo
na história do desenvolvimento
económico é que a cultura faz
quase toda a diferença”.
No que diz respeito à pro-
moção de novos negócios de
elevado crescimento, é exata-
mente isso o que é necessário:
a criação de uma cultura em-
preendedora. Esta criação é um
processo orgânico, em que os
empreendedores florescem em
garagens e não no qual as gara-
gens criam empreendedores.
Uma cultura empreende-
dora tem muitos ingredientes


  • incluindo a presença de uma
    força de trabalho bem instruí-
    da e com competências avan-
    çadas, a existência de uma boa
    infraestrutura física, uma certa
    contracultura, liberdade para
    exprimir ideias e, sim, alguns
    casos de sucesso que possam
    servir de modelo e causar ins-
    piração. Será possível construir
    tantas incubadoras quantas se
    queira, mas sem uma cultura
    em que a criação e promoção
    da excelência seja valorizada, o
    empreendedorismo permane-
    cerá apenas um desejo – e um
    desejo particularmente caro! E


Estratégias de fundo para


acelerar o crescimento


das startups portuguesas


A estratégia “build them and they will come”, ligada às infraestruturas


físicas, não é, por si só, eficaz se não houver uma cultura empreendedora


Quando se fala de “estraté-
gia de promoção de empreen-
dedorismo”, falamos, grosso
modo, sobre a criação de infra-
estruturas hard e infraestrutu-
ras soft. Associamos ao primeiro
caso uma série de características
“visíveis”, muito ligadas a uma
estratégia de betão e fibra ótica.
Estas características emergem,
eventualmente, como condições
de base e tornam-se rapidamen-
te essenciais no pensamento po-
lítico. A sua própria visibilidade
é útil para a promoção da ima-
gem dos que estão em posições
de governação.
Deste modo, o observável
transforma-se em pré-requisi-
to, mas, e a meu ver, é algo que,
por si só, não chega. Arrisco-me
a usar até a seguinte caricatu-
ra para explicar a minha visão:
várias das mais bem-sucedidas
empresas possuem origens hu-
mildes. Muitas foram incubadas
em espaços como garagens, ca-
ves, quartos, cozinhas e por aí
em diante. Mas seria irónico
concluir que aquilo que é neces-
sário para ter empresas bem-su-
cedidas passe apenas pela cons-
trução de garagens.
Uma outra estratégia foca-se
no desenvolvimento de infraes-
trutura soft. Isto é, parte-se da
educação forte nas áreas tecno-
lógicas, desde o ensino básico ao
superior, para se criar culturas
de promoção do “querer fazer”.
Sem esquecer, claro está, a valo-
rização daqueles que criam va-
lor. Este é um desenvolvimento

> Professor catedrático,
Universidade de Évora

POR
SOUMODIP SARKAR

que requer tempo, mas que dá
sustentabilidade à infraestrutu-
ra hard.
Muitos governos europeus
conduzem estratégias explíci-
tas de promoção do empreen-
dedorismo baseadas em po-
líticas hard. E muitas destas
políticas governamentais envol-
vem a criação de infraestrutu-
ras físicas de suporte, como in-
cubadoras, parques de ciência
e tecnologia, espaços de escri-
tório, parques industriais e por
aí fora, especialmente no que
toca ao empreendedorismo de
alto crescimento. A estas polí-
ticas associa-se já uma filoso-
fia latente descrita como “build
them and they will come”.
No entanto, há uma falácia
no pensamento político que
faz equivaler o espaço de escri-
tório barato a empreendedo-
rismo. Maior oferta de espaços
dedicados não significa que vá
existir empreendedorismo de
alto crescimento. Se a eles não
estiver associada a infraestru-
tura soft, então dificilmente o
ecossistema empreendedor irá
prosperar.
Por exemplo, Berlim tor-
nou-se rapidamente um centro
para startups tecnológicas por
causa de uma conjugação de fa-
tores, como a oferta elevada de
trabalhadores altamente qualifi-
cados, uma tradição de subcul-
tura forte e irreverente, custo de
vida relativamente baixo, inter-
net de banda larga universal e
um desejo de quebrar o statu
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