Exame - Portugal - Edição 452 (2021-12)

(Maropa) #1

Macro



  1. EXAME. DEZEMBRO 2021


DESIGUALDADE NA VACINAÇÃO
Claro que, na lista de problemas e obstá-
culos à recuperação, a pandemia continua
a estar no topo. A vacinação ajuda a conter
os contágios, mas não os trava totalmen-
te, mesmo em países com quase 90% de
vacinados. Como muitos países europeus
têm só 2/3 da população imunizada, estão
ainda mais vulneráveis, o que tem levado
à recuperação de restrições e, nalguns ca-
sos, confinamentos obrigatórios.
Mas ainda mais preocupante do que
esta vulnerabilidade de países europeus,
com níveis de vacinação na casa dos 60%,
é um mundo onde mais de metade da po-
pulação ainda não está totalmente vacina-
da e as dezenas de países pobres, que não
conseguem sequer chegar aos dois dígi-
tos. Israel está mais avançado nas tercei-
ras doses do que muitos países africanos
nas primeiras.
Várias instituições têm alertado que
esta diferença na distribuição e adminis-
tração de vacinas é o maior risco para a
recuperação económica. Além da questão
moral – permitir uma desigualdade tão
grande no acesso a vacinas que salvam vi-
das –, as consequências são também eco-
nómicas. Os países ricos, que pensam es-
tar a proteger os seus interesses com esta
estratégia, podem também ver os seus in-
teresses prejudicados, ao permitir que as
nações mais pobres se transformem em
fábricas de variantes mais contagiosas e
que ameacem a eficácia das vacinas. O
FMI avisava que a emergência de novas
variantes pode apagar 4,5 biliões de dó-
lares do PIB mundial até 2025.


LUTA PELO CLIMA
2021 foi também o ano em que o combate
às alterações climáticas se cimentou como
central no desenho de políticas públicas,
tendo-se percebido que, mesmo com gran-
de parte da economia parada em 2020, isso
teve um efeito mínimo na concentração de
gases com efeito de estufa. Logo em janeiro,
Joe Biden reintegrou os EUA no Acordo de
Paris e, em junho, o Parlamento Europeu
aprovou legislação que compromete o blo-
co com uma redução de 55% das emissões
líquidas até 2030 face aos níveis de 1990
e com neutralidade carbónica até 2050.
Perto do final do ano, o Pacto Climático
de Glasgow desiludiu muitos, mas mos-


trou como o tema concentra hoje enorme
atenção mediática e política.
O papel do Presidente dos EUA foi re-
levante neste campo. Se houve mudança
significativa entre 2020 e 2021 foi a pos-
tura de Biden vs. Trump nos diferentes
campos de atuação internacional da ad-
ministração norte-americana. Nem tudo
correu bem a Biden (retirada do Afeganis-
tão, demora na aprovação de estímulos,
um país muito dividido), mas reabilitou
as pontes com os seus aliados e favore-
ceu um regresso do multilateralismo, re-
levante nas já referidas discussões sobre
alterações climáticas ou no acordo para
tributação de multinacionais também al-
cançado este ano.
Ao mesmo tempo, a 11 mil quilómetros
de distância, Xi Jinping foi consolidando o
seu poder em Pequim. O Presidente chi-

PLANETA
EM LUME BRANDO

O clima parece ter entrado
definitivamente na agenda
política, mesmo que a COP26
tenha desiludido

Temperatura recorde de 54,4 ºC no Vale
da Morte, EUA. Glaciares a derreter a tal
velocidade que o fenómeno pode ser
observado do Espaço. O mesmo verão que
põe Grécia e Sul da Europa a arder na maior
catástrofe ecológica em décadas leva inun-
dações letais à Alemanha e à Bélgica, que
fazem cerca de duas centenas de mortos.
Até setembro, a temperatura do planeta
estava 1,09º acima da média da última
metade do século XIX, e 2021 vai a cami-
nho de fechar a série de sete anos mais
quentes. A Terra poderá terminar o século
acima dos 1,5 ºC a 2 ºC para lá dos níveis
pré-industriais, estabelecidos como limite
pelo Acordo de Paris. “A norma, agora, são
os eventos extremos”, decretou Petteri
Taalas, secretário-geral da Organização
Mundial de Meteorologia.
A urgência do tema parece tê-lo feito en-
trar definitivamente na agenda política. Paí-
ses como Suécia, Finlândia, Irlanda, Bélgica,
Luxemburgo e Áustria – e mais recente-
mente a Alemanha – contam com partidos
verdes nos seus governos. A recuperação
pós-Covid na União Europeia não se faz
sem o tripé da transição energética. Com
Joe Biden, os EUA colaram com fita-cola os
pedaços de papel do Acordo de Paris que
tinham sido rasgados por Trump.
Mas falta muito caminho para andar, como
demonstrou, no penúltimo mês do ano,
a COP26. Duas semanas de negocia-
ções em Glasgow resultaram num pacto
climático adotado por quase 200 países.
O alarme em torno do aquecimento global
foi reconhecido, mas as Nações Unidas
admitem que isso não vai mudar radical-
mente o estado das coisas. Mantêm-se
os esforços para limitar o aumento de
temperatura a 1,5 ºC, pede-se aos países
ricos que dupliquem a ajuda aos que estão
em vias de desenvolvimento, desafia-se
o setor financeiro a entrar no esforço. O
entendimento está longe de ser perfeito,
assumiram os participantes, mas é melhor
do que a alternativa: a de não haver acordo.
O foco está agora posto na adaptação –
para garantir a sobrevivência, no longo
prazo, da Humanidade no planeta.
Free download pdf