Exame - Portugal - Edição 452 (2021-12)

(Maropa) #1
DEZEMBRO 2021. EXAME. 99

tivo para cumprirem. Teria a comissão a
capacidade ou vontade para penalizar e
multar França ou Itália?

COMPLEXO E OPACO
Há quem argumente que esta crise pro-
vou que as regras não estão assim tão de-
satualizadas. Takis Tridimas, professor de
Direito da Europa, no King’s College Lon-
don, acha que elas são “razoavelmente fle-
xíveis”, como ficou comprovado pela pos-
sibilidade de as suspender durante estes
anos. Admite, ainda assim, que, se fossem
desenhadas hoje, elas talvez fossem dife-
rentes. “É muito fácil comentar com o be-
nefício do tempo. As regras têm de ser su-
ficientemente flexíveis para aguentar esse
teste”, afirma.
Há cada vez mais defensores de que,
nos últimos anos, elas têm sucessivamente
chumbado. Em resposta à EXAME, o mi-
nistro das Finanças português diz que pre-
cisamos de “regras amigas do crescimento
e que salvaguardem o papel estabilizador
da política orçamental”, argumentando
que o limite de 60% do PIB para a dívida
pública deve ser alterado ou que haja a pos-
sibilidade de ritmos de redução da dívida
adequados à realidade de cada país.
Além do limite de 60% para a dívida –
que envolve, para quem está acima, uma
descida anual de 1/20 da diferença face
ao valor atual – , os países europeus estão
comprometidos com um défice inferior
a 3%, um saldo estrutural definido país a
país e uma despesa pública que não pode
crescer mais rápido do que o potencial da
economia.
As críticas à arquitetura das regras eu-
ropeias são antigas e muito variadas, de-
pendendo da sensibilidade política de cada
um. Desde a utilização de indicadores opa-
cos até à sua natureza pró-cíclica, falta de
flexibilidade e incapacidade de adaptação
ao atual contexto económico. Mas talvez a
mais consensual seja a sua excessiva com-
plexidade, após anos em que lhes fomos
acrescentando camada atrás de camada.
Mário Centeno reconheceu-o à EXA-
ME na sua última semana, como presi-
dente do Eurogrupo. “Passámos de 90
para mais de 600 páginas de regras, crian-
do fricções desnecessárias por via de uma
automaticidade cega em que se pretende
ter tudo previsto nas regras”, argumentou.

Há um reconhecimento que, numa
união económica e monetária, é neces-
sário algum nível de coordenação orça-
mental (os governos têm tendência para
deixar engordar os défices, incentivados
por lógicas de curto prazo) e que o endivi-
damento de vários países, como Portugal,
é excessivo. Mas também que a interpre-
tação das regras é fonte de grande tensão
entre os Estados-membros e que a última
coisa que seria desejável nesta altura seria
tirar ímpeto à retoma. “Temos de abordar
isso de forma inteligente: gradual, susten-
tada e amiga do crescimento”, afirmou o
vice-presidente, Valdis Dombrovskis. Se
lhe parece que isto é uma quadratura do
círculo é porque é mesmo.
Com os orçamentos para 2023 a terem
de ser desenhados para voltarem a res-
peitar as regras, a comissão iniciou um
período de debate para encontrar formas
de as adaptar. Tendo em conta a distância
que separa as posições das diferentes ca-
pitais europeias, a expectativa é que será
muito difícil chegar a um acordo. O que
não significa que fique tudo na mesma.
Segundo as contas do think tank
Bruegel, uma reativação das regras de um
momento para o outro pode exigir ajusta-
mentos anuais de mais de 5% do PIB. Ou
seja, vários Estados com dívidas elevadas
ficariam entre duas possibilidades: exe-
cutar programas de austeridade a seguir
a uma crise; ou violar as regras. Tendo em
conta o contexto político em alguns destes
países, em muitos casos com forças po-
pulistas perto de conquistarem o poder
(Itália, França), a segunda hipótese pare-
ce ser um caminho de menor resistência
para os governos em funções. O que seria
das regras se algumas das maiores econo-
mias europeias deixassem de as cumprir?
“Não podemos ficar com o bolo e
comê-lo. Ou se reformam as regras e es-
peramos que elas sejam cumpridas ou não
mudamos nada e elas não são cumpridas.
Esse incumprimento não seria bom para
a comissão, por isso tem todos os motivos
para reformar”, aponta Maria Demertzis,
vice-diretora do Bruegel. Bruxelas tem-
-se mostrado cada vez mais tolerante
com desvios pontuais, como ficou claro
quando não multou Portugal e Espanha
em 2016, mas, se eles se tornarem a regra,
os países podem perder qualquer incen-

Ou se reformam


as regras e esperamos


que elas sejam


cumpridas ou não


mudamos nada e elas


não são cumpridas


Maria Demertzis
Vice-diretora do Bruegel


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