como a mãe de Annie e não como sua irmã. Agora era responsável por toda a gente. Por
Annie, por Candy, porque a irmã ainda era por vezes muito jovem e muito irresponsável, e
pelo pai, que parecia estar a ficar cada vez mais dependente e desamparado. Perdia
coisas, partia objectos, cortou-se por duas vezes e não era capaz de se lembrar onde as
coisas estavam e, o que era pior, nunca o soube. Sabrina comentou com Tammy ao
telefone, numa noite já bastante tarde, que a mãe deveria ter feito tudo pelo pai menos
mastigar-lhe a comida. Ele fora mal-acostumado, protegido e mimado ao máximo. A mãe
fora a esposa completa e perfeita e isso não fazia o estilo de Sabrina. Tentou obrigar o pai
a fazer algumas coisas sozinho, mas sem grande sucesso. Ele queixava-se muito,
lamentava-se constantemente e chorava com frequência. Era compreensível, mas Sabrina
estava no limite das suas capacidades para lidar com o pai e com tudo o resto.
O médico de Annie queria que ela fizesse TACs de rotina, depois da cirurgia ao cérebro,
para acompanhar a sua evolução e recomendou vivamente que ela frequentasse uma
escola de formação para invisuais em Nova Iorque durante seis meses. O médico dissera a
Annie e a Sabrina que isso ajudaria Annie a tornar-se independente e a ser capaz de viver
sozinha com êxito, o que, afinal, era o seu objectivo. Annie andou de mau humor durante
dias por causa disso, depois de conversarem com o médico, e deambulava pela casa do
pai com ar deprimido. Tinha uma bengala branca, mas não a usava. Conseguia
desembaraçar-se bem em casa dos pais, desde que ninguém mudasse nada de sítio. Certa
vez, Candy deixou uma cadeira fora do lugar na sala de jantar e quando Annie atravessou
a sala sem desconfiar de nada, caiu redonda no chão. Candy pediu milhões de desculpas
enquanto tentava ajudar a irmã a levantar-se.
— Não teve piada nenhuma! — disse Annie furiosa com Candy, mas mais ainda com o
destino que a deixara daquela maneira. — Porque fizeste isto?
— Esqueci-me... desculpa... Não fiz de propósito!
Era o tipo de coisa que Candy costumava dizer quando era criança e continuava a dizê-lo.
O que contava para ela era a intenção e não o resultado.
Annie mostrou-se determinada em tomar banho sozinha e proibiu as irmãs de entrarem
na casa de banho com ela, apesar de, antes, nunca ter sido acanhada e também ninguém
na família o era, de facto. O pai era circunspecto e nunca aparecia para tomar o
pequeno-almoço sem o roupão vestido, assim como a mãe, mas as raparigas sempre se
esgueiraram seminuas para as casas de banho umas das outras, à procura dos secadores
de cabelo, dos ferros quentes para encaracolarem o cabelo, da acetona, de uns colãs
lavados ou de um sutiã que haviam esquecido. Agora, Annie entrava toda vestida, fechava
e trancava a porta. No seu segundo dia em casa, a banheira transbordou e a água escorreu
e infiltrou-se no lustre da sala de jantar que ficava mesmo por baixo, começando a pingar.
Sabrina, ao perceber o que se passava, subiu as escadas a correr. Bateu à porta e Annie
deixou-a entrar, por fim. Sabrina fechou a torneira, no meio do alagado chão de mármore
da casa de banho, com água de uma altura de cinco centímetros.
— Assim não vai dar — disse Sabrina com calma. — Eu sei que tu não queres, mas precisas
de ajuda. Precisas de aprender alguns truques para te arranjares, senão vais ficar louca e
enlouquecer toda a gente aqui em casa também. Que posso fazer para te ajudar? —
perguntou Sabrina, limpando a casa de banho e apanhando a água.
— Só tens de me deixar em paz! — gritou-lhe ela e trancou-se na casa de banho.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1