Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

Ela não disse nada, só continuou à deriva na direção dele, sabendo que estava
fraquejando.
— Olha, se você nunca subiu na torre, é um jeito incrível de ver o brejo. Vem
comigo.
Ela acelerou e virou o barco na direção da lancha dele, sem nunca deixar de
vasculhar o mar para se certificar de que os amigos dele não estavam por perto.
Chase acenou para ela seguir rumo ao norte após passar por Barkley Cove — o
vilarejo sereno e colorido ao longe — e atracou na praia de uma pequena baía
escondida bem fundo na floresta. Após amarrar as embarcações, conduziu-a até
uma trilha tomada por arbustos-de-cera e azevinhos cheios de espinhos. Ela nunca
tinha entrado naquela floresta úmida e repleta de raízes, pois ficava do outro lado
do vilarejo e perto demais das pessoas. Enquanto eles caminhavam, pequenos
filetes de água salobra corriam por baixo da vegetação; graciosos lembretes de que
aquelas terras pertenciam ao mar.
Então um pântano de verdade apareceu, com seu cheiro de terra rasa e ar
espesso e úmido. De forma súbita, sutil e silenciosa, ele se estendia até a orla de
uma floresta escura mais atrás.
Acima das copas das árvores Kya viu a plataforma de madeira surrada da torre
de incêndio abandonada, e poucos minutos depois eles chegaram à base da
estrutura com suas pernas abertas feitas de estacas grosseiramente cortadas. Uma
lama preta purgava ao redor das pernas e debaixo da torre, e a podridão úmida
carcomia as vigas. Escadas subiam em zigue-zague até lá em cima, a estrutura se
estreitando a cada nível.
Depois de atravessarem o terreno alagado, eles começaram a subir, Chase na
frente. Na quinta curva da escada, as florestas de carvalho arredondadas se
espalharam para oeste até onde a vista alcançava. Em todas as outras direções,
valas, lagoas, córregos e estuários serpenteavam em meio à grama verde-viva até o
mar. Kya nunca tinha estado tão alto acima do brejo. Agora todas as peças
estavam lá embaixo, e pela primeira vez ela podia ver o rosto inteiro do seu
amigo.
Quando eles chegaram ao último degrau, Chase abriu com um empurrão a
grade de ferro acima da escada. Depois de subirem na plataforma, ele recolocou a
grade no lugar. Antes de pisar, Kya fez um teste, cutucando a plataforma com os
dedos dos pés. Chase riu baixinho.
— Está tudo bem, não se preocupe.
Ele a guiou até o guarda-corpo, de onde olharam para o brejo estendido lá
embaixo. Dois búteos-de-cauda-vermelha passaram voando na altura dos seus
olhos com o vento assobiando por entre as asas, as cabeças inclinadas de surpresa
ao ver um rapaz e uma moça em pé no seu espaço aéreo.
Chase virou-se para ela e disse:
— Obrigado por ter vindo, Kya. Por me dar outra chance de me desculpar por
aquele dia. Eu saí da linha, isso não vai acontecer de novo.
Ela não disse nada. Partes dela queriam beijá-lo, sentir sua força encostada nela.
Enfiando a mão no bolso da calça jeans, ela disse:
— Fiz um colar com a concha que você achou. Não precisa usar se não quiser.

Free download pdf