Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

Ela havia pendurado a concha num fio de couro na noite anterior, pensando
que iria usá-la, mas sabendo o tempo todo que estava torcendo para rever Chase e
lhe dar o colar se tivesse oportunidade. Mas nem mesmo nesse devaneio tinha
visualizado os dois juntos no alto da torre, olhando para o mundo lá embaixo.
— Obrigado, Kya — disse ele. Olhou para o colar, então o passou pela cabeça
e sentiu com os dedos a concha que repousava no pescoço. — É claro que eu vou
usar. — Não disse nada banal como Vou usar para sempre, até o dia da minha morte.
— Me leve na sua casa — pediu Chase.
Kya imaginou o barracão encolhido sob os carvalhos, as tábuas cinza
manchadas com o sangue da ferrugem do telhado. As telas que eram mais rombos
do que arame. Um lugar de remendos.
— É longe — foi tudo que ela disse.
— Kya, não estou nem aí se é longe ou como é. Anda, vamos.
A chance de ser aceita poderia ser perdida se dissesse não.
— Está bem.
Eles desceram da torre, ele a conduziu de volta até a baía e acenou para ela
seguir na frente. Ela navegou para o sul até o labirinto de estuários e abaixou a
cabeça ao entrar no seu canal encimado de verde. A lancha dele era quase grande
demais para passar por aquele emaranhado de floresta, e com certeza azul e branca
demais, mas se espremeu e conseguiu passar, com os galhos arranhando o casco.
Quando a lagoa dela se abriu diante deles, os detalhes delicados de cada galho
coberto de musgo e de cada folha brilhante se refletiam na água límpida e escura.
Libélulas e garças-brancas-pequenas levantaram voo por um breve instante ao ver
aquela embarcação desconhecida, depois tornaram a se acomodar graciosamente,
batendo as asas silenciosas. Kya prendeu seu barco enquanto Chase ia até a
margem com o motor ligado. A garça-azul-grande, que havia muito já aceitara os
seres menos selvagens do que ela, permaneceu completamente imóvel a poucos
metros.
A roupa lavada e puída de Kya pendia do varal, macacões desbotados e
camisetas, e eram tantos os nabos que haviam se espalhado para dentro da mata
que ficava difícil saber onde terminava a horta e começava a floresta.
Ao olhar para a tela cheia de remendos da varanda, ele perguntou:
— Quanto tempo faz que você mora aqui sozinha?
— Não sei exatamente quando Pa foi embora. Mas acho que faz uns dez anos.
— Que legal. Morar aqui sem pai nem mãe para mandar em você.
A única resposta de Kya foi:
— Não tem nada para ver lá dentro.
Mas ele já estava subindo os degraus de tábua e tijolo. A primeira coisa que viu
foi a coleção dela exposta em prateleiras improvisadas. Uma colagem da vida que
pulsava do outro lado da tela.
— Foi você quem fez isso tudo? — indagou.
— Foi.
Ele observou algumas borboletas por um breve instante, mas logo perdeu o
interesse. Por que guardar coisas que você pode ver bem na porta de casa?, pensou.
O pequeno colchão em que ela dormia no chão da varanda tinha uma colcha

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