Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

durante toda a graduação, e estava quase concluída. Então, recentemente, Tate
ficara sabendo que um laboratório de pesquisa federal seria construído perto de
Sea Oaks, e que ele teria muita chance de ser contratado como pesquisador em
tempo integral. Não havia ninguém no mundo mais qualificado para o cargo: ele
tinha passado praticamente a vida inteira pesquisando aquele brejo, e em breve
teria o título de doutor para comprovar isso. Dali a alguns anos poderia viver no
brejo com Kya e trabalhar no laboratório. Casar-se com Kya. Se ela aceitasse.
Ele quicava nas ondas em direção ao canal dela, quando de repente o barco de
Kya passou depressa indo para o sul, num curso perpendicular ao seu. Tate soltou
a cana do leme, ergueu os braços acima da cabeça e acenou feito um doido para
chamar sua atenção. Gritou seu nome. Mas ela estava olhando para leste. Tate
olhou para o mesmo lado e notou a lancha de Chase fazendo uma curva na
direção dela. Manteve o barco parado e observou Kya e Chase rodearem um ao
outro nas ondas azul-acinzentadas, em círculos cada vez menores, feito águias se
cortejando no céu. As esteiras de suas embarcações agitadas, espumando.
Tate observou os dois se encontrarem e tocarem as pontas dos dedos sobre a
água agitada. Tinha escutado os boatos pelos velhos amigos em Barkley Cove,
mas torcera para que não fossem verdade. Entendia por que Kya se apaixonaria
por um homem assim, bonito, sem dúvida romântico, que a levasse para passear
na sua lancha de luxo e para fazer piqueniques elegantes. Ela não devia saber nada
sobre a vida de Chase na cidade, que ele namorava e paquerava outras mulheres
em Barkley e até mesmo em Sea Oaks.
E quem sou eu para dizer qualquer coisa?, pensou Tate. Eu mesmo não a tratei
melhor. Quebrei uma promessa, não tive sequer coragem de terminar com ela.
Ele baixou a cabeça, então deu outra olhada bem a tempo de ver Chase se
inclinar para beijá-la. Kya, Kya, pensou. Como pude deixar você? Bem devagar,
acelerou e tornou a virar na direção do porto da cidade para ajudar o pai a
embalar e transportar a pesca.


*


Alguns dias mais tarde, como nunca sabia quando Chase poderia aparecer, Kya
mais uma vez se flagrou atenta aos barulhos da lancha dele. Como fazia com Tate.
Assim, quer estivesse arrancando ervas daninhas, cortando lenha para o fogão ou
catando mariscos, inclinava a cabeça num ângulo preciso para captar o som.
“Estreitando os ouvidos”, Jodie costumava dizer.
Cansada da tensão que a esperança lhe causava, enfiou na mochila alguns pães
de minuto, melado frio e sardinhas suficientes para três dias e foi a pé até o velho
chalé de madeira caindo aos pedaços; o “chalé da leitura”, como o chamava em
pensamento. Lá, nos verdadeiros confins, era livre para caminhar, coletar o que
quisesse, ler as palavras, ler a natureza. Não esperar o som de alguém era uma
libertação. E uma força.
Num bosque de carvalhos-californianos, apenas uma curva depois do chalé,
encontrou a pena minúscula do pescoço de uma mobelha-pequena e gargalhou.

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