Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

Nem sabia quanto tempo fazia que desejava aquela pena, e ali estava ela, a uma
curta distância correnteza abaixo.
Acima de tudo, tinha ido lá para ler. Depois que Tate fora embora, tantos anos
antes, ela não tinha mais acesso a livros, então certa manhã havia pegado o barco,
passado de Point Beach e percorrido mais uns quinze quilômetros até Seven
Oaks, cidade ligeiramente maior e bem mais refinada do que Barkley Cove.
Pulinho tinha dito que qualquer um podia pegar livros emprestados na biblioteca
de lá. Ela duvidava que isso valesse para alguém que morava num pântano, mas
estava determinada a descobrir.
Havia amarrado o barco no cais da cidade e atravessado a praça rodeada de
árvores junto ao mar. Enquanto caminhava para a biblioteca, ninguém olhou para
ela nem cochichou pelas suas costas ou a enxotou da frente de uma vitrine. Ali ela
não era a Menina do Brejo.
Entregou à bibliotecária Sra. Hines uma lista de didáticos.
— Poderia, por favor, me ajudar a encontrar Princípios da química orgânica, de
Geissman, Zoologia de invertebrados do pântano costeiro, de Jones, e Fundamentos de
ecologia, de Odum?
Tinha visto esses títulos nas referências do último livro que Tate lhe dera antes
de ir para a faculdade.
— Ah, sim. Entendi. Vamos ter de pedir esses livros emprestados para a
biblioteca da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill.
Então, naquele momento, sentada em frente ao velho chalé, ela pegou uma
coletânea de artigos científicos. Um dos artigos sobre estratégias reprodutivas
tinha o título “Fodedores dissimulados”. Kya riu.
Como se sabe, começava o artigo, na natureza em geral os machos com as
características sexuais secundárias mais proeminentes, como por exemplo as
maiores galhadas, as vozes mais graves, os peitos mais largos e os conhecimentos
mais vastos, conquistam os melhores territórios porque conseguem afugentar os
machos mais fracos. As fêmeas optam por acasalar com esses alfas imponentes e
são, portanto, inseminadas com o melhor DNA disponível, que é transmitido para
a descendência dessa fêmea: um dos fenômenos mais poderosos na adaptação e
continuidade da vida. Além disso, essas fêmeas conseguem os melhores territórios
para seus filhotes.
No entanto, alguns machos inferiores, que não são fortes, vistosos nem
espertos o suficiente para conquistar bons territórios, têm truques para tapear as
fêmeas. Exibem suas formas menores em posturas infladas ou gritam com
frequência, ainda que com vozes esganiçadas. Com base em fingimentos e sinais
falsos, copulam aqui e ali. Sapos machos pequeninos, escrevia o autor, encolhem-
se no mato e se escondem perto de um macho alfa coaxando com energia para
atrair fêmeas. Quando várias fêmeas são atraídas ao mesmo tempo pelo canto forte
e o macho alfa está ocupado copulando com uma delas, o mais fraco se intromete
e acasala com uma das outras. Esses machos impostores são conhecidos como
“fodedores dissimulados”.
Kya se lembrou, muitos anos antes, de Ma alertando as irmãs mais velhas sobre
rapazes que turbinavam as picapes enferrujadas ou dirigiam calhambeques velhos

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