Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

Kya encarou os dedos dos pés. Por que a parte ferida e ainda sangrando deveria
arcar com o ônus do perdão? Não respondeu.
— Eu simplesmente precisava te contar, Kya. — Como ela se manteve em
silêncio, ele prosseguiu. — Estou fazendo pós-graduação em zoologia.
Protozoologia, principalmente. Você iria amar.
Ela não conseguia imaginar aquilo, e tornou a olhar na direção da lagoa para
conferir se Chase estava chegando. Tate não deixou de notar isso; tinha
adivinhado desde o primeiro instante que ela estava ali esperando por Chase.
Na semana anterior mesmo, Tate vira Chase, de smoking branco, dançar com
várias mulheres no baile de gala de Natal. O baile, assim como a maioria dos
eventos de Barkley Cove, acontecera no ginásio da escola. Enquanto um aparelho
de som pequeno demais montado debaixo da cesta de basquete tocava “Wooly
Bully”, Chase fez uma morena rodopiar. Quando começou a tocar “Mr.
Tambourine Man”, afastou-se da pista e da morena e foi bebericar seu uísque
Wild Turkey na garrafinha do time Tar Heels com outros ex-atletas. Tate estava
por perto conversando com dois de seus antigos professores do colégio, e ouviu
Chase dizer:
— É, ela é brava feito uma raposa presa numa armadilha. Exatamente o que se
poderia esperar de uma gata do brejo. Vale cada centavo da gasolina.
Tate precisou se obrigar a ir embora.


*


Um vento frio levantou e encrespou a superfície da lagoa. Imaginando que fosse
Chase, Kya saíra correndo de casa de calça jeans e um suéter fino. Cruzou os
braços com força ao redor de si.
— Você está morrendo de frio. Vamos entrar.
Tate indicou o barracão, onde a fumaça saía pela chaminé enferrujada do
fogão.
— Tate, eu acho que você deveria ir agora.
Kya olhou várias vezes para o canal. E se Chase chegasse enquanto Tate
estivesse ali?
— Por favor, Kya, só uns minutos. Quero muito rever suas coleções.
Em resposta, ela se virou e correu até o barracão, e Tate foi atrás. Ao entrar na
varanda, estacou. As coleções dela tinham deixado de ser um hobby infantil para
se transformarem num museu de história natural do brejo. Ele pegou uma concha
de vieira etiquetada com uma aquarela da praia onde fora encontrada, além de
inserções mostrando a criatura devorando criaturas menores do mar. Para cada
espécime — centenas, milhares talvez — era a mesma coisa. Ele já tinha visto
alguns na infância, mas agora que era doutorando em zoologia os enxergava como
um cientista.
Virou-se para ela, ainda parada no vão da porta.
— Kya, que desenhos maravilhosos, quantos detalhes lindos... Você poderia
publicar. Isto aqui poderia virar um livro... vários livros.

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