Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

a pequena embarcação girou para estibordo e se ergueu de lado. A força a lançou
no chão do barco, e a água salgada caiu em cima dela. Tonta, ficou sentada na
água e se preparou para outra onda.
É claro que não estava nem perto da Corrente do Golfo propriamente. Aquilo
era o campo de treinamento, um mero parquinho em comparação ao mar de
verdade. Mas Kya achava que havia se aventurado para dentro do mal, e pretendia
resistir a ele. Vencer alguma coisa. Matar a dor.
Tendo perdido qualquer noção de simetria ou padrão, as ondas cor de ardósia
vinham de todos os lados. Ela se arrastou de volta até o banco e segurou a cana do
leme, mas não soube para onde conduzir o barco. A terra se balançava como uma
linha distante, surgindo apenas de vez em quando em meio às ondas encimadas de
espuma. Na hora em que ela via a terra firme, o barco girava ou inclinava e ela a
perdia de vista. Tivera total certeza de que conseguiria domar a correnteza, mas
ela havia ganhado força e a arrastava mais para dentro do mar furioso e cada vez
mais escuro. As nuvens se adensaram e ficaram mais baixas, escondendo o sol.
Ensopada, ela tremia enquanto sua energia diminuía, o que dificultava o manejo
do leme. Não tinha trazido nenhum equipamento para o mau tempo, nem
comida ou água.
Por fim, o medo chegou. De um lugar mais profundo que o mar. O medo de
saber que ficaria sozinha outra vez. Provavelmente para sempre. Uma pena
perpétua. Barulhos feios de arquejos escaparam da sua garganta conforme o barco
girava e tombava para os lados. Inclinando-se perigosamente a cada onda.
A essa altura, quinze centímetros de água espumosa cobriam o fundo do casco,
tão fria que chegava a queimar seus pés descalços. Com que rapidez o mar e as
nuvens derrotavam o calor da primavera. Ela cruzou um dos braços sobre o peito
para tentar se aquecer enquanto manejava fracamente o leme com a outra mão,
sem lutar contra a água, apenas se movendo junto com ela.
Por fim, as águas se acalmaram, e embora a correnteza a tenha carregado para
onde quisesse, o mar já não batia e espumava. Mais à frente ela viu um banco de
areia pequeno e comprido, talvez com uns trinta metros, reluzindo com água do
mar e conchas molhadas. Lutando contra a forte corrente subterrânea, e
exatamente no segundo certo, deu um tranco na cana do leme e saiu da
correnteza. Rodeou o banco de areia a sotavento e, nas águas mais calmas, atracou
com a mesma delicadeza de um primeiro beijo. Pisou na faixa estreita de terra e
afundou na areia. Deitou-se e sentiu o chão firme sob o corpo.
Sabia que não era por Chase que estava chorando, mas por uma vida definida
por rejeições. Enquanto o céu e as nuvens se agitavam lá em cima, falou em voz
alta:
— Preciso viver sozinha. Mas eu já sabia disso. Já sabia faz tempo que as
pessoas não ficam.
Não fora coincidência Chase ter mencionado o casamento astutamente como
isca, levando-a para a cama na mesma hora, em seguida a largado e trocado por
outra. Por causa dos estudos, ela sabia que os machos vão de fêmea em fêmea,
então por que tinha se apaixonado por aquele homem? A lancha chique dele era
como o pescoço musculoso e a galhada farta de um cervo macho na época do

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