mar. Quando ele parou ao seu lado, ela não ergueu os olhos, manteve-os fixos nas
ondas quebrando. Mesmo assim Kya soube, pelo jeito como ele falou, que Pa
tinha lhe dado um soco na cara.
— Tenho que ir embora, Kya. Não posso mais morar aqui não.
Ela quase se virou para ele, mas não o fez. Quis implorar para que não a
deixasse sozinha com Pa, mas as palavras entalaram.
— Quando tiver idade suficiente você vai entender — disse ele.
Kya quis gritar que podia ser nova, mas não era burra. Sabia que Pa era o
motivo pelo qual todos partiam; o que não entendia era por que ninguém a
levava junto. Ela também pensara em ir embora, mas não tinha para onde ir nem
dinheiro para o ônibus.
— Kya, tome cuidado, está ouvindo? Se alguém aparecer, não entre na casa.
Lá eles podem te pegar. Corre para dentro do brejo, se esconde nos arbustos.
Cobre suas pegadas como eu te ensinei. E pode se esconder do Pa também.
Ela não disse nada, então ele se despediu e atravessou a praia em direção à
mata. Logo antes de se embrenhar pelas árvores, ela finalmente se virou e o
observou se afastar.
— Este porquinho aqui ficou em casa — disse ela para as ondas.
Saiu de sua imobilidade e foi correndo até o barracão. Gritou o nome dele no
corredor, mas as coisas de Jodie já não estavam mais ali, e no espaço em que
dormia só havia o colchão.
Ela desabou ali e ficou olhando os últimos raios solares descerem pela parede.
A luz ainda durou mais um pouco depois que o sol se foi, como sempre, e parte
dela inundou o quarto, por um breve instante deixando as formas das camas e as
pilhas de roupas velhas mais nítidas e coloridas do que as árvores lá fora.
Uma fome intensa — que coisa mundana — a surpreendeu. Ela foi até a
cozinha e ficou parada à porta. Durante toda a sua vida, aquele cômodo fora
aquecido pelo pão assando, pelo feijão fervendo na panela ou por um ensopado
de peixe borbulhando. Agora estava rançoso, silencioso e escuro.
— Quem vai cozinhar? — perguntou ela em voz alta. Poderia ter perguntado:
Quem vai dançar?
Acendeu uma vela, cutucou os carvões em brasa no fogão a lenha e pôs
gravetos lá dentro. Soprou o fole até uma chama se acender, depois colocou mais
lenha. A geladeira servia de armário porque a luz elétrica não chegava nem perto
do barracão. Para impedir o mofo, a porta era mantida aberta pelo mata-moscas.
Mesmo assim, veios negros esverdeados de bolor se acumulavam em cada
reentrância.
Ela pegou uns restos e disse:
— Vou jogar o mingau de milho na banha e esquentar.
Fez isso e comeu direto da panela, olhando pela janela caso Pa chegasse. Mas
ele não chegou.
Quando a luz da lua crescente finalmente tocou o barracão, ela engatinhou até
sua cama na varanda — um colchão cheio de calombos colocado diretamente no
chão e forrado por lençóis de verdade estampados com rosas azuis pequeninas que
Ma havia comprado numa venda de garagem — para passar a noite sozinha pela
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1