Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

A carta no envelope azul. Ma tinha pedido para buscá-la, para buscar todos os
filhos. Tinha querido vê-la. Mas o desfecho da carta fora bem diferente. As
palavras dela haviam enfurecido Pa e o fizeram voltar a beber, e então Kya o
perdera também. Não comentou com Jodie que ainda guardava as cinzas da carta
em um pote de vidro.
— Rosemary contou que Ma nunca fez amigos, nunca jantava com a família
nem interagia com ninguém. Não se permitia qualquer tipo de vida, de prazer.
Depois de algum tempo, começou a falar mais e não tinha outro assunto que não
os filhos. Rosemary disse que Ma nos amou a vida inteira, mas ficou paralisada em
algum lugar horrível no qual acreditava que seríamos machucados se voltasse e
abandonados se não voltasse. Ela não nos abandonou por algum caso de amor
passageiro; enlouqueceu e mal sabia que tinha ido embora.
— Como ela morreu? — perguntou Kya.
— Leucemia. Rosemary disse que era possivelmente tratável, mas ela recusou
qualquer medicação. Ficou cada vez mais fraca e dois anos atrás se foi de vez.
Rosemary disse que ela morreu de um jeito bem semelhante ao que vivia. No
escuro, em silêncio.
Jodie e Kya ficaram sentados sem se mexer. Ela pensou no poema de Galway
Kinnell que Ma havia sublinhado em seu livro:


Devo    confessar   meu alívio  por ter acabado.
No final tudo que eu conseguia sentir era pena
Daquele impulso em direção a mais vida.
... Adeus.

Jodie se levantou.
— Venha comigo, Kya. Quero mostrar uma coisa. — Ele a levou até a picape
lá fora e os dois subiram na caçamba. Com cuidado, ele retirou uma lona e abriu
uma caixa grande de papelão, e um a um foi tirando de lá de dentro e
desembrulhando alguns quadros a óleo. Colocou todos em pé na caçamba da
picape. Um deles mostrava três meninas pequenas, Kya e as irmãs, de cócoras na
margem da lagoa, observando libélulas. Outro mostrava Jodie e seu outro irmão
segurando uma fieira de peixes. — Eu trouxe para o caso de você ainda estar aqui.
Rosemary me mandou. Disse que Ma passou anos pintando a gente, noite e dia.
Uma das pinturas mostrava todas as cinco crianças posando como se estivessem
de frente para a artista. Kya encarou os olhos dos irmãos que a fitavam de volta.
Num sussurro, perguntou:
— Quem é quem?
— O quê?
— Nunca teve nenhuma foto. Eu não conheço eles. Quem é quem?
— Ah. — Jodie não conseguiu respirar, então enfim falou: — Bem, esta aqui é
Missy, a mais velha. Depois vem Murph. Mandy. Este bonitinho aqui sou eu,
claro. E esta aqui é você. — Ele esperou algum tempo, então disse: — Olhe este
aqui.
Diante dele estava um quadro a óleo espantosamente colorido de duas crianças

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