esse caminho passaria por sua praia antes de chegar ao canal que entrava pelo
brejo e ia até o barracão. Ela em geral não parava na praia, percorria o labirinto de
cursos d’água até a lagoa e depois caminhava até a margem.
Mas quando passou pela praia as gaivotas a viram e se juntaram em volta do
barco. Vermelho Grande pousou na proa e inclinou a cabeça. Ela riu.
— Muito bem, vocês venceram.
Passou a arrebentação, atracou atrás de um trecho alto de arroz-de-costa e
ficou em pé na linha d’água jogando as migalhas que Tate tinha lhe dado.
Enquanto o sol coloria a água de dourado e rosa, ela se sentou na areia com as
gaivotas pousando à sua volta. De repente, ouviu um motor e viu a lancha de
Chase passar depressa em direção ao seu canal. Ele não conseguia ver o barco dela
atrás do arroz-de-costa, mas Kya estava totalmente exposta ali na areia. No
mesmo instante, jogou-se no chão e virou a cabeça para observá-lo. Ele estava em
pé no leme, o cabelo soprado para trás, uma expressão feia e fechada. Mas não
olhou para ela ao entrar no canal e seguir até o barracão.
Quando ele sumiu de vista, Kya se sentou. Se não tivesse parado ali com as
gaivotas, ele a teria encontrado em casa. Tinha aprendido com Pa: aquele tipo de
homem precisava dar o último soco. Ela havia deixado Chase estatelado no chão.
Os dois velhos pescadores certamente a tinham visto derrubá-lo. Como Pa teria
dito, Kya precisava aprender a lição.
Assim que descobrisse que ela não estava no barracão, ele iria até aquela praia.
Ela correu para o barco, deu partida no motor e seguiu outra vez na direção de
Tate. Mas não queria contar a ele o que Chase tinha feito com ela; a vergonha
superava a racionalidade. Desacelerou e flutuou pelas ondas conforme o sol sumia.
Precisava se esconder e esperar Chase ir embora. Se não o visse sair, não saberia
quando seria seguro voltar de barco para casa.
Entrou no canal, apavorada que ele surgisse rugindo a qualquer momento. Mal
acelerando o motor para ouvir o barco dele, deslizou para dentro de um arbusto
de árvores altas e vegetação rasteira no fundo de um canal. Recuou mais para
dentro das plantas, empurrando galhos para longe até várias camadas de folhas e a
noite caindo a esconderem.
Com a respiração ofegante, ouviu com atenção. Por fim, escutou o motor dele
rugir em meio ao ar suave da noite. Abaixou-se ainda mais quando ele se
aproximou, subitamente com medo de a ponta do seu barco estar visível. O som
chegou muito perto e segundos depois a lancha dele passou zunindo. Ela
continuou ali sentada por quase meia hora, até ficar escuro de verdade, então
voltou para casa sob a luz das estrelas.
Levou o colchão e a roupa de cama até a praia e se sentou com as gaivotas. As
aves não se importaram com sua presença, se exibindo com as asas abertas antes de
se acomodarem na areia feito pedras com plumas. Enquanto grasnavam baixinho e
encolhiam a cabeça para dormir, Kya chegou o mais perto delas que pôde. Mas
mesmo em meio aos arrulhos e farfalhares leves não conseguiu pegar no sono.
Ficou se revirando de um lado para outro, e se sentava toda vez que o vento
imitava passos.
As ondas do amanhecer rugiam sob um vento forte que fazia seu rosto arder.
carla scalaejcves
(Carla ScalaEjcveS)
#1