Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Eu estou bem, Jodie. De verdade.
— Então isso significa que você quer que eu vá embora? Kya, você passou dois
meses sozinha naquela cela achando que a cidade inteira estava contra você. Mal
deixou qualquer um te visitar. Eu entendo isso tudo, juro que entendo, mas acho
que eu não devia ir embora e deixar você sozinha. Quero passar uns dias aqui.
Tudo bem?
— Vivi sozinha quase toda a minha vida, não foram só dois meses! E não achei,
eu sabia que a cidade inteira estava contra mim.
— Kya, não deixe essa coisa horrível te afastar ainda mais das pessoas. Você
passou por uma provação terrível, mas agora tem a oportunidade de recomeçar. O
veredito talvez seja o jeito de eles dizerem que vão te aceitar.
— A maioria das pessoas não precisa ser inocentada de assassinato para ser
aceita.
— Eu sei, e você tem todos os motivos do mundo para odiar as pessoas. Não é
culpa sua, mas...
— É isso que ninguém entende. — Ela ergueu o tom de voz. — Eu nunca
odiei as pessoas. Elas me odiaram. Elas riram de mim. Elas me abandonaram. Elas
me atormentaram. Elas me atacaram. Bom, é verdade, eu aprendi a viver sem elas.
Sem você. Sem Ma! Sem ninguém!
Ele tentou abraçá-la, mas ela se desvencilhou.
— Jodie, talvez eu só esteja cansada agora. Na verdade, estou exausta. Por
favor, preciso superar isso tudo sozinha, o julgamento, a cadeia, a possibilidade de
ser executada... tudo sozinha, porque sozinha é o único jeito que eu sei. Eu não sei
ser consolada. Estou cansada demais até para ter essa conversa. Eu... — Ela não
completou a frase.
Sem esperar uma resposta, Kya saiu do barracão e entrou na floresta de
carvalhos. Jodie não foi atrás, sabia que não adiantava. Iria esperar. Na véspera,
tinha feito compras e abastecido o barracão — só para o caso de Kya ser
inocentada —, e então começou a cortar legumes para preparar o prato preferido
dela: empadão de frango. Quando o sol se pôs, contudo, não conseguiu mais
suportar que ela ficasse fora do barracão, então deixou o empadão quente e
borbulhante em cima do fogão e saiu. Ela havia rodeado a casa até chegar à praia,
e voltou correndo ao ouvir a picape dele se afastar lentamente pela estradinha.
Lufadas da massa dourada enchiam o barracão até o teto, mas Kya continuava
sem fome. Na cozinha, pegou as tintas e começou a planejar seu próximo livro
sobre capins do brejo. As pessoas raramente prestavam atenção em capins a não
ser para cortá-los, pisoteá-los ou envenená-los. Ela pincelou a tela feito louca até
obter uma cor mais preta do que verde. Imagens escuras surgiram, talvez campinas
moribundas sob céus de tempestade. Difícil saber.
Ela baixou a cabeça e começou a chorar.
— Por que estou com raiva agora? Por que agora? Por que fui tão má com
Jodie?
Inerte, ela escorregou até o chão feito uma boneca de pano. Encolheu-se,
ainda chorando, e desejou poder se aconchegar junto à única criatura que a havia
aceitado como ela era. Mas o gato tinha ficado na cadeia.

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