Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

parecia estar ali, de forma alguma.
— Eu deveria ter mandado cremar você como o Sam McGee daquele poema
— disse Tate, quase sorrindo.
Então olhou para o mar e torceu para Scupper ter um barco onde quer que
estivesse. Um barco vermelho.
Deixou o estojo de plástico — um toca-discos a pilha — no chão ao lado do
túmulo e encaixou no pino um 78 rotações. O braço da agulha bambeou, então
baixou, e a voz cristalina de Miliza Korjus se ergueu acima das árvores. Ele ficou
sentado entre o túmulo da mãe e o montinho coberto de flores. Por mais
estranho que fosse, a terra recém-revirada cheirava mais a começo do que a fim.
Falando em voz alta, com a cabeça baixa, ele pediu ao pai que o perdoasse por
ter passado tanto tempo longe, e soube que Scupper o perdoava. Lembrou-se de
como o pai definia um homem: alguém capaz de chorar livremente, sentir a
poesia e a ópera no coração e fazer o que fosse preciso para defender uma mulher.
Scupper teria entendido a perseguição de um amor em meio à lama. Tate passou
algum tempo ali sentado, com uma das mãos sobre o pai e a outra sobre a mãe.
Por fim, tocou o túmulo pela última vez, voltou para sua picape e foi até o
porto da cidade onde sua embarcação estava atracada. Iria voltar ao trabalho,
afundar nas formas de vida que estavam sempre se contorcendo. Vários pescadores
o abordaram no cais, e ele ficou parado, sem graça, aceitando condolências
igualmente constrangidas.
Com a cabeça baixa, decidido a ir embora antes que qualquer outra pessoa se
aproximasse, subiu no convés de popa da sua lancha. Porém, antes de se sentar
atrás do leme, viu uma pena marrom-clara na almofada do assento. Soube na
mesma hora que era a pena macia do peito de um savacu-de-coroa fêmea, criatura
tímida e de pernas compridas que vive sozinha nas profundezas do brejo. Mas ali
estava ela, perto demais do mar.
Olhou em volta. Não, ela não estaria ali, não tão perto da cidade. Girou a
chave para ligar a lancha, atravessou resfolegando o mar em direção ao sul e por
fim entrou no brejo.
Passando depressa demais pelos canais, roçou em galhos baixos que bateram na
lancha. O rastro agitado da sua embarcação bateu na margem quando ele entrou
na lagoa de Kya e amarrou a lancha ao lado da embarcação dela. Uma fumaça
sinuosa e livre subia da chaminé do barracão.
— Kya — gritou ele. — Kya!
Ela abriu a porta da varanda e parou debaixo do carvalho. Estava usando uma
saia branca comprida e um suéter azul-claro — cores de asas — e seu cabelo caía
ao redor dos ombros.
Tate esperou que ela o alcançasse, então a segurou pelos ombros e a apertou
junto ao peito. Em seguida se afastou.
— Eu te amo, Kya, você sabe disso. Faz tempo que sabe.
— Você me abandonou como todos os outros — disse ela.
— Nunca mais vou te abandonar.
— Eu sei — disse ela.
— Kya, você me ama? Você nunca me disse essas palavras.

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