Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

dos córregos. Quando baixasse o suficiente, a qualquer momento a partir de
agora, alguns dos canais iriam secar e ela ficaria encalhada sem conseguir passar.
Teria de voltar antes disso.
Ao contornar um tufo de capim alto, de repente o oceano — cinza, severo e
pulsante — franziu o cenho para ela. Ondas se chocavam umas nas outras,
cobertas pela própria saliva branca, e quebravam na praia com estrondos fortes:
energia em busca de um anteparo. Então se aplainavam e viravam tranquilas
línguas de espuma à espera do turbilhão seguinte.
A espuma a provocava, desafiando-a a enfrentar as ondas e entrar no mar, mas
sem Jodie lhe faltou coragem. De toda forma, estava na hora de voltar. Nuvens de
chuva se adensavam no céu a oeste, formando imensos cogumelos cinza prestes a
rebentar.
Ela não tinha visto ninguém, nem mesmo em barcos distantes, de modo que
foi uma surpresa quando voltou para o estuário grande e ali, bem rente ao capim
da margem, encontrou um garoto pescando a bordo de outro bote surrado. Seu
curso a faria passar a uns cinco metros dele. Ela estava mesmo a típica menina do
pântano: cabelo ao vento até virar um ninho de rato, bochechas empoeiradas
riscadas de lágrimas por causa do vento.
Nem a pouca gasolina nem a ameaça de um temporal lhe provocavam a
mesma aflição que ver outra pessoa, principalmente um menino. Ma tinha dito às
suas irmãs mais velhas que tomassem cuidado com eles; se sua aparência for
tentadora, os homens viram predadores. Crispando bem os lábios, ela pensou: O
que eu vou fazer? Tenho que passar bem ao lado dele.
De rabo de olho, viu que ele era magro e tinha os cachos louros enfiados em
um boné vermelho. Era bem mais velho do que ela, onze anos, talvez doze. Kya
exibia uma expressão fechada ao chegar perto, mas mesmo assim ele lhe deu um
sorriso franco e simpático e tocou a aba do boné feito um cavalheiro
cumprimentando uma dama elegante de vestido de baile e chapéu. Ela meneou
de leve a cabeça, então olhou para a frente, acelerou e passou pelo menino.
Tudo em que conseguia pensar era em voltar para um terreno conhecido, mas
devia ter feito uma curva errada em algum lugar, pois quando chegou à segunda
série de lagoas não encontrou o canal que levava até sua casa. Deu várias voltas à
procura, foi até troncos dobrados de carvalhos e arbustos de murta. Um pânico
lento começou a se insinuar. Agora todas as margens de capim, todos os bancos
de areia e todas as curvas se pareciam. Ela desligou o motor e ficou parada bem
no meio do barco, equilibrando-se com os pés separados, enquanto tentava ver
por cima dos juncos, mas não conseguiu. Sentou-se. Estava perdida. Com pouca
gasolina. Um temporal se aproximava.
Roubando as palavras de Pa, xingou o irmão por ter ido embora.
— Que droga, Jodie! Tacou merda no ventilador. Tacou um monte de merda
no ventilador.
Choramingou uma vez quando o barco começou a ser levado pela correnteza
leve. Nuvens que ganhavam terreno em relação ao sol se moviam pesadamente lá
em cima, mas sem fazer barulho, empurrando o céu e arrastando sombras pela
água cristalina. A qualquer momento poderia vir um vendaval. Pior, pensou: se

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