prateado e azul. Pa inclinou-se para fora do barco e capturou o peixe com a rede,
então sentou-se, deu um tapa no próprio joelho e soltou um uivo de
comemoração como ela jamais vira. Kya deu um sorriso largo e os olhares dos
dois se encontraram, fechando um circuito.
Antes de Pa o amarrar, o bluegill ficou pulando no fundo do barco e Kya teve
que observar uma fila distante de pelicanos, estudar o formato das nuvens,
qualquer coisa que não fosse encarar os olhos moribundos de peixe vidrados no
mundo sem água enquanto a boca escancarada sugava um ar inútil. Mas o que
aquilo lhe custou e o que custou àquele peixe valeu a pena para ter uma pequena
nesga de família. Talvez não para o peixe, mas ainda assim...
Eles saíram no barco de novo no dia seguinte, e numa lagoa escura Kya viu as
penas macias do peito de um jacurutu boiando na superfície. Curvadas em ambas
as pontas, elas flutuavam como barquinhos cor de laranja. Ela as pegou e as pôs no
bolso. Mais tarde encontrou um ninho de beija-flor abandonado em meio a um
galho esticado, e guardou-o em segurança na proa.
Naquela noite, Pa preparou para o jantar peixe frito — empanado com fubá e
pimenta preta — acompanhado por mingau de milho e folhas cozidas. Depois,
quando Kya estava lavando a louça, ele entrou na cozinha trazendo sua antiga
bolsa de soldado da Segunda Guerra Mundial. Em pé junto à porta, jogou-a de
qualquer jeito em uma das cadeiras. A bolsa escorregou até o chão com uma
pancada que deu um susto em Kya e a fez se virar.
— Achei que você podia usar isso para suas penas, ninhos de passarinho e essas
coisas todas que você vive catando aí.
— Ah — fez Kya. — Ah, obrigada.
Mas ele já tinha saído pela porta da varanda. Ela pegou a bolsa puída feita de
uma lona grossa o bastante para uma vida inteira e coberta de bolsinhos e
compartimentos secretos. Zíperes resistentes. Olhou pela janela. Ele nunca tinha
lhe dado nada.
*
Em todos os dias mais quentes do inverno e em todo santo dia da primavera, Pa e
Kya saíam de barco, subindo e descendo a costa até bem longe, pescando de
corrico, lançando e puxando o anzol. Fosse num estuário ou num córrego, ela
sempre procurava o menino Tate no seu barco, torcendo para vê-lo de novo.
Pensava nele de vez em quando, queria ser sua amiga, mas não fazia a menor ideia
de como conseguir isso ou de como encontrá-lo. Então, de repente, certa tarde
ela e Pa fizeram uma curva e lá estava ele, pescando, quase no mesmo lugar em
que o vira pela primeira vez. Na hora, ele sorriu e acenou. Sem pensar, Kya
levantou a mão e acenou de volta, quase sorrindo. Então abaixou a mão muito
rápido e Pa a encarou, espantado.
— Um dos amigos de Jodie de antes de ele ir embora — explicou ela.
— Tem que tomar cuidado com as pessoas daqui — disse ele. — A mata está
cheia de lixo branco. Quase que não tem ninguém daqui que presta.