Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

mas a gente precisa se esforçar.
— Boa tarde, Sr. Tate — disse ela, fazendo uma pequena mesura. Ele notou a
audácia e a petulância em algum lugar lá dentro. — Mas podemos nos encontrar
em algum lugar sem ser aqui? Por favor.
— Claro, acho que sim, mas por quê?
— Pulinho disse que o Serviço Social está atrás de mim. Estou com medo de
eles me fisgarem como se eu fosse uma truta e me colocarem num lar adotivo ou
algo assim.
— Bom, é melhor a gente se encontrar bem longe, lá onde cantam os
lagostins. Tenho pena de qualquer família adotiva que receba você.
O rosto inteiro de Tate sorria.
— Como assim, onde cantam os lagostins? Ma dizia isso.
Kya recordou Ma sempre incentivando-a a explorar o brejo: “Vá o mais longe
que puder, para um lugar bem longe daqui, lá onde cantam os lagostins.”
— Quer dizer bem no meio do mato, onde os animais são selvagens e ainda se
comportam como animais. Você tem alguma ideia de onde a gente pode se
encontrar?
— Tem um lugar que eu achei uma vez, um chalé velho, caindo aos pedaços.
Se você souber onde virar, consegue chegar lá de barco; eu posso ir a pé daqui.
— Então sobe aqui. Me mostra desta vez; da próxima a gente pode se
encontrar lá mesmo.
— Se eu não estiver, vou deixar uma pilha pequena de pedras bem aqui ao
lado do tronco de amarrar barcos. — Kya apontou para um ponto na faixa de
areia da lagoa. — Senão estou por aqui em algum lugar e vou aparecer quando
ouvir o seu motor.
Eles saíram devagar pelo brejo, com o motor cuspindo, então seguiram rumo
ao sul pelo mar aberto, na direção contrária à da cidade. Ela ia se balançando na
proa, as lágrimas causadas pelo vento riscando suas bochechas e fazendo cócegas
frias em suas orelhas. Quando eles chegaram a uma pequena enseada, ela o guiou
por um córrego estreito de água doce sombreado por arbustos baixos. Em vários
momentos o córrego parecia se extinguir, mas Kya sinalizou que dava para
prosseguir, e eles entraram no meio de mais arbustos.
Por fim, chegaram a um vasto terreno baixo onde o curso d’água passava por
um chalé velho de um cômodo só feito com toras de madeira e desmoronado de
um dos lados. As toras tinham se soltado, e havia algumas espalhadas pelo chão
como um jogo de pega-varetas. O telhado, ainda apoiado em meia parede, descia
do ponto mais alto ao mais baixo feito um chapéu torto. Tate atracou o barco na
lama e eles caminharam em silêncio até a porta aberta.
Lá dentro estava escuro e fedia a urina de rato.
— Bom, espero que você não esteja pretendendo morar aqui... O chalé inteiro
pode desmoronar na sua cabeça.
Tate empurrou a parede. Pareceu razoavelmente sólida.
— É só um esconderijo. Posso estocar um pouco de comida caso eu precise
passar um tempo fora.
Tate se virou e a encarou enquanto seus olhos se ajustavam à penumbra.

Free download pdf