dois pinheiros. Os nabos da sua horta mal tinham espichado a cabeça acima das
varas-de-ouro; mesmo assim, Kya tinha mais legumes e verduras do que ela e os
veados conseguiam comer. Colheu o que ainda restava da safra do fim do verão e
guardou as abóboras e beterrabas na sombra fresca debaixo dos degraus de tijolo e
tábuas.
Durante todo o tempo, porém, manteve os ouvidos atentos ao resfolegar de
um carro cheio de homens vindo para levá-la embora. Às vezes essa atenção a
deixava cansada e com medo, então ela ia a pé até o chalé de madeira e passava a
noite no chão de terra batida enrolada em seu cobertor sobressalente. Calculava o
tempo de catar mariscos e defumar peixes para que Tate pudesse levá-los ao posto
de Pulinho e lhe trazer os mantimentos. Assim ela se expunha menos.
*
— Lembra quando você leu sua primeira frase e disse que algumas palavras têm
muita coisa? — perguntou Tate um dia, sentado na margem do córrego.
— Lembro, sim, por quê?
— Bom, principalmente poemas. As palavras dos poemas fazem mais do que
dizer coisas. Elas despertam emoções. Fazem rir até.
— Ma costumava ler poesia, mas eu não me lembro de nenhum poema.
— Escute este aqui; é de Edward Lear.
Ele pegou um envelope dobrado e leu:
Então Dona Aranha Pernuda
Junto com Seu Mosca Mole
Correram para o mar de espuma
Gritando como se fossem um fole.
E lá encontraram um barquinho
De vela rosa e cinza flutuante
E foram embora pelas ondas,
Até se perderem no mar distante.
Sorrindo, ele falou:
— Ele cria um ritmo, feito as ondas na praia.
Depois disso, ela entrou na fase de escrever poemas, inventando-os enquanto
percorria o brejo de barco ou catava conchas. Eram versos simples, cadenciados e
bobos. “Uma fêmea de gaio-azul salta de um galho e voa; eu também voaria se
pudesse na lagoa.” Eles a faziam gargalhar, preenchendo alguns minutos solitários
de um dia longo e solitário.
Certo fim de tarde, enquanto lia à mesa da cozinha, ela se lembrou do livro de
poemas de Ma e procurou até achá-lo. Estava muito gasto, as capas havia muito já
perdidas, e as páginas, presas por dois elásticos puídos. Kya os retirou com cuidado
e folheou o livro, lendo as anotações de Ma nas margens. E ao fim havia uma lista