porque a luz do dia já não bastava para iluminar o chalé. Sempre tinham estudado
fora de casa, mas certa manhã, enquanto um vento louco soprava, Kya acendeu o
fogão a lenha. Ninguém havia cruzado o limiar do barracão desde o sumiço de
Pa, mais de quatro anos antes, e pareceria inconcebível convidar qualquer um a
entrar. Qualquer um menos Tate.
— Quer sentar na cozinha perto do fogão? — perguntou ela quando ele
puxou o barco para a margem da lagoa.
— Com certeza — respondeu ele, sabendo que não deveria dar muita
importância ao convite.
Assim que ele pisou na varanda, levou quase vinte minutos explorando e
admirando as penas, conchas, ossos e ninhos que ela havia juntado. Quando eles
finalmente se acomodaram à mesa, ela puxou a cadeira para perto da dele até os
braços e cotovelos dos dois quase se tocarem. Só para senti-lo perto de si.
Com Tate tão ocupado ajudando o pai, os dias se arrastavam do início ao fim.
Um dia, já tarde da noite, Kya tirou da prateleira de Ma um romance, Rebecca, de
Daphne du Maurier, e leu sobre amor. Depois de algum tempo, fechou o livro e
foi até o armário. Pôs o vestido sem mangas de Ma e começou a deslizar pelo
quarto, rodando a saia e rodopiando em frente ao espelho. Com o cabelo e os
quadris ondulando, imaginou Tate tirando-a para dançar. A mão dele na sua
cintura. Como se ela fosse a Sra. De Winter.
Então conteve-se e inclinou o corpo, às risadinhas. E ficou imóvel.
*
— Vem cá, menina — entoou Mabel certa tarde. — Tem umas coisas aqui para
você.
Normalmente quem trazia as caixas de artigos para Kya era Pulinho, mas
quando Mabel aparecia costumava ter algo especial.
— Vai lá pegar as coisas, senhorita. Vou encher seu tanque — disse Pulinho,
então Kya pulou no cais.
— Olhe aqui, Kya — disse Mabel, erguendo um vestido em tom de pêssego
com uma camada de chiffon por cima da saia florida, a peça de roupa mais linda
que a menina já vira na vida, mais bonita do que o vestido sem mangas de Ma. —
Um vestido feito para uma princesa como você.
Ela o segurou diante de Kya, que tocou o tecido e sorriu. Então, virando as
costas para Pulinho, Mabel se curvou com esforço e tirou um sutiã branco da
caixa.
Kya sentiu um calor percorrer seu corpo.
— Ora, Kya, não precisa ficar com vergonha, não, meu bem. Você vai
precisar disto aqui é já. E, menina, se algum dia precisar falar sobre qualquer coisa
que não entender, é só contar para a velha Mabel. Tudo bem?
— Sim, senhora. Obrigada, Mabel.
Kya enfiou o sutiã bem no fundo da caixa, debaixo de algumas calças jeans e
camisetas, um saco de feijão-fradinho e um vidro de pêssego em conserva.