— Bom dia, Kya, que história toda é essa, menina? Qual que é o problema,
meu bem?
A garota baixou ainda mais a cabeça e balbuciou alguma coisa que Mabel não
escutou.
— Pode sair desse barco, ou quer que eu entre aí com você?
Como Kya não respondeu, Mabel, com seus quase cem quilos, pôs os pés um
depois do outro no barquinho, que reclamou se chocando nas estacas do cais.
Sentou-se no banco do meio de frente para Kya na popa.
— Agora me diga qual que é o problema, menina.
As duas aproximaram as cabeças, Kya cochichou, e então Mabel a puxou bem
para o meio do seu peito farto, abraçando-a e ninando-a. No início Kya ficou
rígida, desacostumada a ceder a abraços, mas nem por isso Mabel se deixou
desencorajar, e por fim Kya se soltou e afundou no conforto daqueles travesseiros.
Depois de algum tempo, Mabel se inclinou para trás e abriu a sacola de papel
pardo.
— Bom, eu imaginei qual seria o problema, então trouxe umas coisas.
E ali, sentadas a bordo do barco no cais de Pulinho, Mabel explicou os
detalhes para Kya.
— Não tem nada para ter vergonha, não, menina. Isso não é uma maldição
coisa nenhuma como as pessoas ficam falando; é o início de toda a vida, e só uma
mulher pode fazer isso. E agora você é uma mulher, filha.
*
Ao escutar o barco de Tate na tarde seguinte, Kya escondeu-se no meio dos
densos arbustos e ficou observando. Já parecia estranho o suficiente alguém
conhecê-la, mas ele agora sabia do acontecimento mais íntimo e pessoal de toda a
sua vida. Suas bochechas arderam quando ela pensou nisso. Ficaria escondida até
ele ir embora.
Ele parou o barco na margem da lagoa e saltou, carregando uma caixa branca
amarrada com barbante.
— Ei! Kya, cadê você? — chamou. — Trouxe uns bolinhos da Parker’s.
Fazia anos que Kya não provava nada parecido com bolo. Tate tirou alguns
livros do barco, então ela saiu devagarinho dos arbustos por trás dele.
— Ah, você está aí. Olha só isso. — Ele abriu a caixa, e lá dentro, bem
arrumadinhos, estavam os bolinhos, cada um deles um quadrado com apenas dois
centímetros e meio, cobertos por glacê de baunilha e com uma pequenina rosa
cor-de-rosa espetada no centro. — Vai, pode comer.
Kya pegou um e, ainda sem olhar para Tate, deu uma mordida. Depois enfiou
o resto inteiro na boca. E lambeu os dedos.
— Toma. — Tate colocou a caixa perto do carvalho. — Pode comer quantos
quiser. Vamos começar. Eu trouxe um livro novo.
E foi isso. Eles começaram as aulas sem dizer uma palavra sequer sobre o outro
assunto.