Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

*


O outono estava chegando; as sempre-vivas podiam não ter reparado, mas os
sicômoros, sim. As árvores irradiavam milhares de folhas douradas diante do céu
cinza de ardósia. Num fim de tarde, depois da aula, quando Tate ainda estava lá
embora já devesse ter ido, ele e Kya se sentaram em um tronco na mata. Ela
enfim fez a pergunta que vinha querendo fazer havia meses.
— Tate, obrigada por ter me ensinado a ler e por todas essas coisas que você
me deu. Mas por que você fez isso? Você não tem uma namorada ou algo do
tipo?
— Não... Bom, às vezes sim. Eu tive uma, mas agora não. Gosto de ficar aqui
no silêncio, e gosto do jeito como você se interessa tanto pelo brejo, Kya. A
maioria das pessoas não presta atenção nenhuma a ele a não ser para pescar.
Acham que é um descampado que deveria ser aterrado e desenvolvido. As pessoas
não entendem que a maioria dos animais marinhos precisa do brejo, inclusive os
que elas comem.
Ele não mencionou a pena que sentia por ela estar sozinha nem que ele sabia
como as crianças a haviam tratado tantos anos atrás; como os moradores da
cidadezinha a chamavam de Menina do Brejo e inventavam histórias a seu
respeito. Esgueirar-se correndo até o barracão dela durante a noite e bater na
porta de tela tinha se tornado uma tradição, uma iniciação para meninos virarem
homens. O que isso dizia sobre os homens? Alguns deles já estavam apostando
quem seria o primeiro a tirar sua virgindade. Coisas que o deixavam furioso e
preocupado.
Mas esse não era o principal motivo pelo qual ele havia deixado penas para
Kya na floresta, ou pelo qual continuava a visitá-la. As outras palavras que Tate
não disse eram os seus sentimentos por ela, que pareciam embolados entre o doce
amor por uma irmã perdida e o amor ardente por uma menina. Ele próprio não
conseguia nem chegar perto de compreender aquilo, porém jamais fora atingido
por uma onda tão forte. Uma potência de emoções ao mesmo tempo dolorida e
prazerosa.
Enfiando uma folha de grama num buraco de formiga, ela finalmente
perguntou:
— Onde está a sua mãe?
Uma brisa passou por entre as árvores e sacudiu de leve os galhos. Tate não
respondeu.
— Não precisa falar nada não, se não querer — disse ela.
— Se não quiser.
— Não precisa falar nada não, se não quiser.
— Minha mãe e minha irmã mais nova morreram em um acidente de carro
em Asheville. O nome da minha irmã era Carianne.
— Ah. Desculpa, Tate. Aposto que a sua mãe era muito legal e bonita.
— Sim. As duas eram. — Ele falava olhando para o chão, por entre os joelhos.

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