Um lugar bem longe daqui

(Carla ScalaEjcveS) #1

— Eu nunca falei disso. Com ninguém.
Nem eu, pensou Kya. Em voz alta, ela disse:
— Minha mãe foi embora um dia e nunca mais voltou. A mãe veado sempre
volta.
— Bom, pelo menos você pode torcer para ela voltar. A minha com certeza
não vai voltar.
Eles passaram alguns instantes calados, então Tate tornou a falar:
— Eu acho que...
Mas parou e desviou o olhar.
Kya o encarou, mas ele observava o chão. Sem dizer nada.
Ela perguntou:
— O quê? Você acha o quê? Pode me falar o que quiser.
Ele continuou sem dizer nada. Com a paciência conquistada pela
compreensão, Kya aguardou.
Por fim, bem baixinho, ele disse:
— Acho que elas foram a Asheville comprar o meu presente de aniversário.
Tinha uma bicicleta lá que eu queria, que eu precisava. Como a Western Auto
não vendia essa bicicleta, eu acho que elas foram a Asheville comprar para mim.
— Isso não quer dizer que foi culpa sua — disse ela.
— Eu sei, mas eu sinto que foi — retrucou Tate. — Nem lembro mais que
bicicleta era.
Kya chegou mais perto dele, não o suficiente para tocá-lo. Mas sentiu algo...
quase como se o espaço entre seus ombros tivesse mudado. Pensou se Tate estaria
sentindo também. Quis se aproximar mais, só o suficiente para seus braços
roçarem de leve os dele. Quis tocá-lo. E se perguntou se ele iria perceber.
Nesse exato instante o vento ganhou força, e milhares e milhares de folhas
amarelas de sicômoro se soltaram da árvore e começaram a flutuar pelo céu.
Folhas de outono não caem; elas voam. Demoram-se bastante e passeiam devagar,
sua única chance de voar. Refletindo a luz do sol, elas rodopiaram, avançaram e
estremeceram nas correntezas do vento.
Tate se levantou do tronco com um pulo e a chamou:
— Veja quantas folhas você consegue pegar antes de elas caírem no chão!
Kya ficou de pé depressa, e os dois começaram a pular e saltitar por entre as
cortinas de folhas que caíam, estendendo bastante os braços para agarrá-las antes
que caíssem. Rindo, Tate mergulhou na direção de uma folha a poucos
centímetros do chão, pegou-a e rolou, erguendo no ar seu troféu. Kya jogou as
mãos para cima e soltou de volta no vento todas as folhas que havia resgatado.
Quando passou correndo no meio, elas refletiram no seu cabelo feito ouro.
Então, ao girar, ela trombou com Tate, que tinha se levantado, e os dois
ficaram paralisados, encarando-se. Pararam de rir. Ele a segurou pelos ombros,
hesitou um segundo, então a beijou nos lábios enquanto as folhas choviam e
dançavam ao redor deles, silenciosas como a neve.
Ela não sabia nada sobre beijos, e manteve a cabeça e os lábios rígidos. Eles se
afastaram e se entreolharam, perguntando-se de onde aquilo tinha vindo e o que
fariam depois. Ele tirou uma folha do cabelo dela com um gesto delicado e a

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