Causos do Cabete

(Bruno Cabete) #1
Jânio Quadros e os porcos | 103

Junto à casa de minha tia havia uma antiga venda de minha avó, a
venda da Dona Helena. Defronte a venda havia um campo de
“boccia”, ao lado de um grande bambuzal de varas de pesca. A estra-
da municipal, que vinha da rodovia principal e passava ao lado da
venda, era ladeada por cerrados típicos com suas árvores retorcidas
e grandes cupinzeiros que formavam montes vermelhos de mais de
um metro de altura.
Quando não estava fazendo minhas tarefas, comendo frutas dire-
tamente nos pés ou fazendo alguma arte eu ficava na venda obser-
vando o movimento, ouvindo as histórias e é claro, esperando ga-
nhar algum doce de minha avó!
Uma das maiores preocupações dos caboclos que vinham tomar
uma cachaça na venda era com o “homem da carriola”. Quem se
excedia na cachaça fatalmente caia nas garras (não era bem nas gar-
ras) do “homem da carriola”. Este homem, do qual ninguém se lem-
bra o verdadeiro nome, ficava toda tarde ao lado da venda com sua
carriola e nos finais de semana passava o dia todo por lá.
Sentado na sombra de uma árvore esperava pacientemente que
algum freguês da venda tomasse o trago fatal, aquele que lhe entor-
pecia a mente e embaralhava os passos. Bastava o caboclo sair da
venda cambaleando que o “homem da carriola” o seguia pela estrada
mantendo uma distância de uns 10 metros atrás do bêbado.
Ninguém nunca viu, mas o que se contava era que a uma certa
altura da caminhada, quando a estradinha passava por uma área do
cerrado farta em grandes cupinzeiros o “homem da carriola” toma-
va impulso e corria batendo com a carriola nas pernas do bêbado.
Com a pancada o mesmo se desequilibrava e caia dentro da mesma
adormecendo quase que instantaneamente.
A estranha figura entrava na mesma corrida pelo campo de
cupinzeiros e mirava em um dos maiores. Quando estava preste a
bater no cupinzeiro ele freava repentinamente a carriola e erguia as
alças da mesma acima de sua cabeça. Neste movimento certeiro o
bêbado era arremessado sobre o cupinzeiro. Caia de bruços, com a
barriga sobre o monte de terra endurecida pela saliva dos cupins e
deixava à mercê do “homem da carriola” sua parte mais carnuda e
arredondada, na qual o mesmo se saciava rapidamente, mas por pou-
co tempo, pois logo estava de volta, à sombra da árvore, aguardando
a próxima vítima.

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