CausosdoCabete | 104
Pois foi aí na venda da Dona Helena em meio ao cheiro de pinga,
fumo de corda e pele de porco sapecada que ouvi pela primeira vez
falarem do grande comício que iria acontecer em São Sebastião do
Paraíso. O comício do Dr. Jânio Quadros. Naquele domingo nos
arrumamos logo após o almoço, colocamos nossa melhor roupa e
aquela maldita botina que teimava em me fazer bolha no calcanhar.
Fomos todos para a venda aguardar o caminhão que nos levaria ao
grande evento.
Chegamos a São Sebastião do Paraíso algumas horas antes do co-
mício, mas já era grande a aglomeração de pessoas que vinham de
toda a região. Ao escurecer começou a festa. Meu pai que era verea-
dor em Altinópolis também discursou e pude sentar-me nos degraus
do palanque, bem perto das personalidades e do carismático homem
de grossos óculos e cabelo preto que quando falava fazia com que
todos parassem para ouvir.
Eu estava de olho na distribuição de broches e em uma bobeada de
um cabo eleitoral consegui pegar um saquinho plástico fechado cheio
das vassourinhas de óculos. Broche de metal dourado cobiçado por
todas as crianças e por muitos adultos. Senti-me muito rico naquele
dia. Após cada discurso o alto falante enchia a praça com a famosa
música: Varre, varre, varre vassourinha... Que ficava gravada em nossas
mentes e ficávamos repetindo mentalmente sem conseguir parar.
No dia seguinte, logo pela manhã, fui dar a lavagem aos porcos,
lavei o tambor para colocar água limpa a aquecer. Fui até a máquina
de descascar arroz. Meu pai fazia uma tinta com aquele pó vermelho
de colocar no cimento, o vermelhão Xadrez, com a qual marcava os
sacos de arroz para identificar a quem pertenciam, pois prestávamos
este serviço de limpar arroz para os vizinhos.
Enchi uma latinha com o pó vermelho, fui para o chiqueiro e mis-
turei o pó com água. Peguei uma espiga de milho, retirei a palha e
com ela fiz uma espécie de brocha de pintura. Na parede do chiquei-
ro desenhei uma grande vassoura de óculos e ao lado escrevi com
grandes letras: JÂNIO VEM AÍ!
Há pouco tempo estive no sítio. O chiqueiro já não tem mais por-
cos e nem cercado de madeira. O pequeno dormitório ainda teima
em ficar de pé e virou um depósito. Jânio veio e já se foi, na parede
ainda se vê a grande vassoura e parte da frase que escrevi em mil
novecentos e sessenta. A propaganda de campanha sobreviveu ao
próprio Presidente Jânio Quadros.