O mais feio | 113
nova carga, ele ainda teve o capricho de massagear a coluna verte-
bral da cobra, vértebra por vértebra, até que ela readquirisse sua
flexibilidade original.
Já que vocês não vão ligar pro Renato pra confirmar a história e
vão me chamar de mentiroso, então vou aproveitar a fama e con-
tar o restante das histórias. Observem que sempre dou o nome
verdadeiro de quem vivenciou os fatos para que possam averiguar,
caso duvidem de mim.
Por essa época da caçada com o Renato eu vivia com uma espin-
garda ou uma carabina 22 nas mãos. Caçava pombas e preás, ave-
riguava todo e qualquer barulho anormal, seja galinha gritando ou
cachorro latindo, caçava gambá à noite para minha mãe fazer um
prato delicioso... Em uma destas ocasiões, ao verificar uma alga-
zarra tremenda no galinheiro, vi a cena mais estranha na roça: a
cobra (jararaca) foi até o galinheiro saborear uns pintinhos, mas
creio que não conseguiu matá-los. Quando cheguei, a vi próximo
da tela do galinheiro. Quando cortamos a tela, os arames ficam
com as pontas soltas nas bordas, pois a cobra estava fazendo um
tremendo malabarismo com a boca e enfiando uma fina ponta de
arame no buraquinho de suas presas, presumi que ela estava de-
sentupindo suas presas e que, devido ao entupimento, ela não ti-
nha conseguido matar os pintinhos. A bala .22 acertou bem no
meio de sua pequena cabeça pra não estragar a carne que rendeu a
mistura do almoço daquele dia.
O veneno de cobra é assim mesmo. Quando fica parado muito
tempo ele seca e cristaliza. Meu amigo Genésio contou-me, certa
vez, que quando ia caçar e matava alguma ave ou animal de idade
avançada e carne muito dura, procurava uma cobra, retirava algu-
mas gotas de veneno que misturava à carne para amaciá-la e a
carne ficava muito boa. Eu não tenho coragem de fazer isto e não
recomendo a ninguém que o faça. E se errar na dose?
O caipira fala muito de cobras que “andam” de pé, cobras que
“andam” de ré quando vêem seriema ou quando se faz a reza apro-
priada e os índios falam de uma cobra que voa, a jequitiranabóia.
Esta eu conheci já na cidade, morava em Ribeirão Preto, na pen-
são da tia Laura. No quintal havia 14 quartos com duas camas