® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

Na volta para Brasília, ainda dentro do avião presidencial, Bolsonaro recebeu os
primeiros sinais de que seu discurso passara do ponto. Não deu a mínima. Ao
desembarcar na Base Aérea de Brasília, voltou a ter notícia de reações negativas. Desta
vez, reagiu aos gritos. Passou boa parte da madrugada no celular, recebendo recados e
acompanhando as redes sociais. Aos poucos, foi compreendendo que o caldo havia
entornado. Mesmo os políticos da base governista, parte do empresariado e até de
setores militares não estavam dispostos a apoiar “uma loucura”, segundo a expressão
usada por um general do Alto Comando do Exército.


No dia seguinte, irritadíssimo com as reações adversas, fez uma reunião ministerial,
que a piauí reconstituiu ouvindo seis ministros, entre civis e militares, que ali
estiveram. Bolsonaro insistia que o apoio maciço que recebera no dia anterior tinha que
ser suficiente para “partir para cima do STF”. Levantando a voz, enfurecido, disse: “E o
que vamos entregar a esse povo que foi para as ruas ontem nos apoiar?” O ministro
Onyx Lorenzoni e a ministra Damares Alves, afinados com Bolsonaro, concordavam
que “algo” deveria ser feito. O ministro Paulo Guedes ponderou que uma “crise
institucional” devastaria a economia. “Tudo isso para quê? O que vamos ganhar?”,
indagou.


Como se sabe, a euforia toda acabou numa nota em que Bolsonaro pede desculpas ao
Supremo e atribui suas palavras golpistas ao “calor do momento”. “Bolsonaro não
organizou um protesto. Organizou uma maluquice completa”, diz um ministro do STF.
“E veja só o que o governo fez! No fim, foi hilário. Organizou uma greve de
caminhoneiros que quase derruba o próprio governo. É incrível a irracionalidade dessa
gente.” Fracassada, a agitação pró-golpe incensada pelo presidente sugou parte da
energia militante de seus radicais.


“Frente à ameaça de baderna e ocupação do Supremo, agiram bem os ministros que
tomaram as providências a tempo”, elogia o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso. FHC lembra da atitude do ministro Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, que
presidiu o STF entre 1964 e 1967, em plena ditadura militar, e ofereceu “célebre
resistência às tentativas” do governo de violar a Constituição em vigor. “Com a
sucessão de atos institucionais, ele acabou perdendo a parada, mas deixou o exemplo.”

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