® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

Como era a primeira vez que se encontrava pessoalmente com o príncipe


Charles, o biólogo paulista Alexandre Antonelli, de 43 anos, precisou se inteirar de
algumas formalidades. Para cumprimentar o príncipe, por exemplo, teria que fazer
uma reverência, curvando o pescoço. Inicialmente deveria dizer Your Royal
Highness (vossa alteza real) – sendo Your Majesty (vossa majestade) um tratamento
reservado à rainha Elizabeth II. Depois, como teria uma conversa mais longa com o
príncipe naquela manhã de 28 de setembro do ano passado, Antonelli estava
autorizado a se dirigir a ele apenas como “sir Charles”.


O herdeiro do trono britânico chegou ao jardim botânico Kew Gardens, nos arredores
de Londres, acompanhado do presidente do Gabão, Ali Bongo Ondimba. O país
africano é hoje uma referência em iniciativas sustentáveis. Quase 90% do seu território
é ocupado por matas preservadas e lá se encontram várias espécies ameaçadas, além de
60% dos elefantes africanos soltos na natureza. As medidas de preservação gabonenses
contam com o apoio internacional: em 2019, a Noruega ofereceu ao país 150 milhões de
dólares, a serem pagos ao longo de dez anos, para estancar o desmatamento e
estimular iniciativas de preservação da floresta.


Antonelli, que é diretor científico dos Kew Gardens desde 2019, ciceroneou o príncipe e
o presidente na visita ao jardim botânico. Ele primeiro conduziu as autoridades ao
herbário, lar de uma coleção de cerca de 7 milhões de espécimes. Ali, Ondimba foi
apresentado à principal atração da visita: uma semente de café. Tratava-se da Coffea
stenophylla, que não era encontrada na natureza desde 1954. Uma equipe de cientistas
dos Kew Gardens redescobriu a raridade em 2018, em uma floresta de Serra Leoa, na
África.


São conhecidas 124 espécies de café. Duas apenas – a Coffea arabica (arábica) e a Coffea
canephora (robusta, também chamada conilon no Brasil) – respondem por 99% da
produção global de café industrializado, tanto por causa de sua qualidade para o
consumo, quanto por sua resistência nos plantios. O problema é que ambas correm o
risco de não sobreviver ao próximo século, uma vez que não suportariam a elevação da
temperatura global. (No Brasil, maior produtor mundial de café, a semente mais
comum é a arábica.)


Até 2021, não se conhecia uma espécie de café capaz de aguentar o baque das
mudanças climáticas – até que o botânico Aaron Davis, dos Kew Gardens, demonstrou
que a Coffea stenophylla poderia cumprir esse papel. A pesquisa, publicada na

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