® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

votar as mulheres casadas que tivessem permissão de seus maridos, as solteiras com
salário próprio e as viúvas. Ademais, mudanças no ensino vinham permitindo que elas
ampliassem seus estudos, ocupando espaço em antigos redutos masculinos, como as
profissões liberais. A expansão urbana, os novos meios de transporte e a crescente
indústria da moda, com suas lojas especializadas, criaram outros espaços de
sociabilidade, e se espalhou a prática do footing feminino pelas ruas elegantes e os cafés
das grandes cidades.


Mas, tão logo a mulher começou a transpor a soleira doméstica, a reação conservadora
se esforçou para puxá-la de volta para casa. A fim de incentivar o retrocesso,
começaram a surgir periódicos, como a revista Vida Doméstica (1920-62), o Jornal das
Moças (1914-68) e seu suplemento Jornal da Mulher (1930), publicados no Rio de Janeiro,
que, apesar de voltados para o público feminino, eram em geral editados por homens e
associações católicas. O teor dos artigos costumava ser bastante retrógrado, contrário,
por exemplo, ao voto feminino, ao trabalho externo ao lar, ao desquite... A respeito
desse período, a historiadora Luzia Margareth Rago, escreveu em Os Prazeres da
Noite, livro de 1991:


Generoso, o sexo barbado disse à mulher que o seu papel era no lar, na educação dos filhos, nas
carícias do esposo, no seu trono doméstico da graça, longe do mundo, das suas contingências
miseráveis, das suas abominações tremendas, a cujo contato não há alma feminina que não
empalideça e não estiole.


Juntamente com a imprensa, a indústria fez a sua reação conservadora (ainda que em
parte também inovadora), tentando atrair a mulher que antes não cozinhava para a
frente dos fogões. Se esforçou para mostrar às consumidoras que seria possível casar o
melhor dos dois mundos: a cozinha podia, também, ser chique. Na Feira Internacional
de Amostras de 1933, no Rio de Janeiro, o estande da Companhia do Gás exibiu uma
cozinha moderna e contratou uma atriz-cozinheira para demonstrar que, com os novos
eletrodomésticos, a dona de casa escaparia de ficar com a cara suja de fuligem, como
diz uma reportagem da revista O Cruzeiro, de novembro daquele ano:


À vista do público, trabalhando rapidamente, a “operadora” fazia doces e biscoitos, aprontava
pratos complicados, punha em funcionamento o forno, demonstrava como é possível economizar
gás sem retardar o serviço da cozinha. [...] E a cozinheira improvisada, com um sorriso nos
lábios, explicava: – Isto que eu faço aqui com rapidez e asseio pode ser feito, com muito mais
vantagem, em qualquer casa de família...


O próprio espaço físico da cozinha será posto em discussão, com os críticos modernos
apontando os espaços amplos das cozinhas antigas como danosos ao bom manejo do
lar, pois exigiam que se andasse “muitos quilômetros” todos os anos, ao se deslocar

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