® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

entre o fogão, a pia e a mesa de jantar. Em texto de 1933, autores anônimos asseguram
que a dimensão ideal da cozinha é de 6,25 m², o que permite não só a disposição prática
de todos os utensílios e eletrodomésticos, mas também “um espaço livre, central, para
os movimentos, de 1,50 metro, ou seja, a dimensão de dois braços abertos”.


A substituição do fuliginoso fogão a lenha pelos modernos aparelhos a gás criou um
abismo geracional: as mocinhas tinham pouco a aprender com a mãe ou a avó, que
desconheciam o uso da nova ferramenta da cozinha. Coube à indústria e à mídia
assumir o papel de professores. No Rio de Janeiro, a Sociedade Anônima do Gás,
responsável pela canalização e distribuição do produto, instalou escolas – separadas –
para patroas e empregadas aprenderem a manusear os aparelhos. “A dona de casa não
deve acercar-se da cozinheira na qualidade de uma leiga”, ensinavam as professoras da
escola em 1935.


Com a chegada da modernidade e a redução do número de empregados domésticos, a
mulher deveria exercer um papel mais ativo na manutenção do próprio lar. Enquanto a
cozinheira se ocupa das refeições, e a empregada, munida de um aspirador de pó
(vendido no país desde a década de 1920), faz a limpeza pesada, “fica entendido que a
dona de casa ajudará nos trabalhos leves, tais como arranjar flores nos vasos, cuidar
das plantas que adornam o interior da casa, sacudir e fazer as camas”, dizia um texto
de 1934 no Anuário das Senhoras.


Dois projetos de lei tentaram, em 1935, incluir novamente a categoria das


empregadas domésticas no rol das profissões regulamentadas pela nova Constituição.
Não foram aprovados pela Câmara, e as cozinheiras, camareiras e demais serventes
permaneceram distantes da proteção social e trabalhista. No mesmo período, grupos
católicos se mobilizaram para criar alternativas, como a Liga de Proteção ao Lar Pobre,
entidade filantrópica que mantinha um registro de empregadas domésticas para
encaminhá-las às casas interessadas.


Em abril daquele ano, a revista Vida Doméstica publicou um diálogo travado entre uma
cozinheira e o representante da fictícia Caixa de Aposentadoria dos Domésticos. Nele, a
cozinheira, empregada na casa de uma feminista, fazia uma queixa ao funcionário,
exigindo um ato oficial que proibisse o termo “criada”, substituindo-o pelo mais
moderno “doméstica”, para ela menos pejorativo. É evidente o tom conservador do
texto, debochando das pretensões trabalhistas. Na mesma revista, números depois,
foram publicados os seguintes versinhos, sem autoria: Lá em casa tem uma preta

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