® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

cozinheira/E que nos serve desde tenra idade,/Vive contente e é boa companheira/Até no nome
ela é Felicidade... Felizes mesmo eram os patrões de Felicidade, atendidos por uma
criada servil e leal. A nostalgia da senzala continuava a marcar a imaginação da elite
brasileira.


Em 1936, a empregada doméstica Laudelina de Campos Melo, militante do Partido
Comunista Brasileiro, fundou em Santos a Associação de Trabalhadoras Domésticas,
primeiro sindicato do gênero no país. Não era mera coincidência o fato de Campos
Melo também militar na Frente Negra Brasileira, movimento criado em São Paulo em
1931 para prestar assistência social, educativa e jurídica à população negra, mas extinto
seis anos depois pelo Estado Novo.


Os esforços dos empregados em prol de seus direitos continuavam, enquanto a
imprensa perseverava em fazer as mulheres aceitarem os novos tempos, sem mucamas
nem criadas, como aconselhou a revista Cruzeiro, em 1936:


Cozinhar, dantes, era mister que as senhoras exerciam com sacrifício, e só em circunstâncias
excepcionalíssimas, para salvar uma situação de aperto quando a cozinheira faltava e não havia
outro remédio. Hoje, entretanto, já não sucede assim. Hoje, cozinhar já é um prazer. E como o
problema da “boa cozinheira” cada dia mais e mais se agrava, a dona de casa de 1936 lhe dá a
solução mais simples: dispensa-a... o que oferece a vantagem de adquirir sossego de espírito e de
poder saborear os quitutes ao próprio gosto ou ao gosto do marido.


Dois anos mais tarde, o suplemento carioca Jornal da Mulher apresentou uma definição
mais abrangente para o substantivo “cozinheira”:


Não queremos nos referir somente às empregadas domésticas, mas as que vão para a cozinha
auxiliar os quitutes, ou exercer as funções na falta das empregadas; enfim, queremos nos referir
às patroas que, também gostam, às vezes, de simular cozinheiras. Quer isso dizer que o termo é
genérico e que abrange a toda aquela que quer ser mestre-cuca.


Sinal dos tempos foi também a publicação, em 1940, do mais famoso livro de receitas
do país, Comer Bem, assinado com o pseudônimo Dona Benta – nome de um
personagem de Monteiro Lobato. A “autora” aparece na capa como uma vovozinha
gentil, segurando um bolo diante dos olhos gulosos de Pedrinho. Boa dona de casa,
Dona Benta gerenciava a cozinha do Sítio do Picapau Amarelo, mas quem ia para a
frente do fogão era Tia Nastácia, a empregada negra, que não teve a honra de aparecer
na capa do livro. A ideia é clara: as leitoras da obra devem se identificar com Dona
Benta, pois, como ela, estão destinadas ao comando, e não ao trabalho pesado das
panelas, como Tia Nastácia.

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