® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

Sendo assim, não é coincidência que o levante, embora deflagrado pelo aumento da
tarifa, tenha se organizado em torno da pauta de uma nova Constituição. Menos de um
mês depois do início dos protestos, o governo concordou em convocar um plebiscito
para que a população dissesse se a Constituição devia ser substituída ou não. Uma
imensa maioria (78%) aprovou a medida em outubro de 2020. Em maio do ano
seguinte, os chilenos voltaram às urnas para eleger os membros de uma Assembleia
Constituinte.


Os resultados foram surpreendentes. A direita conquistou menos de um terço das
cadeiras (algo impensável poucos anos antes), perdendo seu tradicional poder de veto,
ao passo que os candidatos independentes e de esquerda tiveram avanços
significativos. Embora algumas alianças tenham sofrido ligeiras modificações nos
últimos meses, ainda há um sólido bloco majoritário identificado com as demandas
populares articuladas durante o estallido. Em vista do teor antineoliberal dos protestos e
da vitória do político de esquerda Gabriel Boric, de 36 anos, nas eleições presidenciais
de dezembro passado, o processo constitucional é uma excelente oportunidade para a
esquerda chilena moldar um novo pacto social.


OChile experimentou uma relativa calma durante as quase três décadas que


seguiram a transição para a democracia. O primeiro governo eleito, em 1989, liderado
pela Concertación de Partidos por la Democracia – a coalizão de centro-esquerda
forjada durante a ditadura militar como bloco de oposição moderada –, teve sucesso
em tirar Pinochet e os militares do poder. Porém, muitos dos economistas, ideólogos e
tecnocratas da Concertación, ao assumirem o comando da nação, decidiram – por
convicção ou por medo – manter as linhas mestras da ordem econômica estabelecida
sob Pinochet.


A história desse modelo é bem conhecida: os chamados Chicago Boys, um grupo de
economistas que segue a escola neoclássica,[1] haviam convencido a ditadura a reformar
a economia a favor das grandes corporações. Pinochet e os militares implementaram a
rápida privatização da educação, da previdência social e da saúde. Ao privatizar
dezenas de estatais, o governo criou uma nova oligarquia e construiu uma base de
apoio importante para o autoritarismo.

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