® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

ambos publicados em 1969. Uma das primeiras autoras a explorar a temática da
repressão que tomava a América Latina nas décadas de 1960 e 1970, já nas duas obras
Peri Rossi fazia referências explícitas à guerrilha urbana e à violência e perseguição
contra militantes da esquerda por parte do Estado uruguaio.


Eu tinha descoberto Peri Rossi ao procurar, como ela, referências lésbicas na poesia, e
quando a balsa em que eu estava embarcada entrou no porto de Montevidéu, a
sensação que eu tinha era de que o Brasil, meu país, também estava naufragando. O
Uruguai era, então, um dos poucos países da América Latina que resistiam ao avanço
da onda conservadora – isso até Luis Alberto Lacalle Pou, o candidato do Partido
Nacional, de direita, vencer a eleição em novembro daquele mesmo ano. No Brasil, Jair
Bolsonaro estava em seus primeiros meses de governo e a atmosfera nos meus círculos
sociais e profissionais era de medo e revolta. O projeto de extermínio de pessoas não
brancas e/ou LGBTQIA+ não só já era evidente como relatos de casos de agressão física
ou verbal, que eu mesma vivi poucas semanas antes do segundo turno em 2018, tinham
aumentado sensivelmente. Os ataques às universidades federais e a órgãos de fomento
à pesquisa como a Capes e o CNPq também já estavam em andamento – devo a esta
última instituição boa parte da pesquisa acadêmica sobre Peri Rossi que resultou na
minha dissertação de mestrado, Nostalgia de Infinito e a Poética do Impossível em Alejandra
Pizarnik e Cristina Peri Rossi, defendida na Escola de Comunicação da Universidade
Federal do Rio de Janeiro em 2020.


A primeira edição de Los Museos Abandonados, que encontrei no sebo de Montevidéu, é
dedicada “Aos guerrilheiros. A seus heróis inominados. A seus mártires. A seus
mortos. Ao Homem Novo que nasce deles. Ainda que essa seja, definitivamente, a mais
desajeitada homenagem que se lhes possa fazer”. O livro, composto de quatro contos,
ganhou em 1968 o prêmio de prosa de autores com menos de 30 anos da Arca Editora,
com júri integrado por Eduardo Galeano e Ángel Rama – que depois apelidaria Peri
Rossi de “la Rimbaudcita”, em referência ao poeta simbolista francês Arthur Rimbaud.
Já em El Libro de Mis Primos, o personagem Federico é um adolescente de família
burguesa que foge de casa para se juntar à guerrilha. O livro é escrito a partir da
perspectiva de uma criança chamada Oliverio e seus primos; Federico é o mais velho e
o preferido do menino, que fica desolado quando descobre que este foi para as
guerrilhas sem levá-lo: “Eu não sei pra onde o Federico foi, mas estava magoado
quando amanheceu e me dei conta de que tinha ido sem mim, sem me levar com ele,
me deixando na casa cheia de pássaros e de galinhas e das tias que estão cada vez mais
iguais aos pássaros e de noite me dão medo.” O capítulo tem como epígrafe a
passagem “a gente cresce sempre, sem saber para onde”, do conto Nenhum, Nenhuma,
de Guimarães Rosa.

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