Na década de 1990, o autoritarismo conquistou a legitimação democrática que não
tinha. Essa consolidação foi avalizada por um ciclo de expansão econômica que
melhorou radicalmente as condições materiais de vida da maioria dos chilenos. A
pobreza foi reduzida a níveis nunca atingidos na história do país, e o consumo
aumentou em todas as classes sociais, graças à disponibilidade de crédito. A classe
empresarial também contou com condições favoráveis para o acúmulo de riqueza.
Talvez a política mais controversa desse período tenha sido o uso, para fins de
especulação, dos imensos recursos das Administradoras de Fundos de Pensões (AFP),
fundos previdenciários obrigatórios que haviam sido privatizados. Por alguns anos, o
livre mercado, a estabilidade social e a forte desigualdade pareceram perfeitamente
compatíveis.
No mesmo período, a esquerda sofreu as consequências de uma divisão iniciada na
época da ditadura. A derrota do projeto revolucionário da Unidade Popular (UP),
coalização que apoiou o governo de Salvador Allende (1970-73), levou a um longo
período de reflexão e autocrítica na esquerda. O Partido Comunista do Chile (PCCH) e
outros grupos radicais lamentavam a falta de uma política consistentemente militante e
insistiam na necessidade de lançar mão de “todas as formas de luta”, incluindo a
violência, no combate à ditadura.
O fracasso dessa estratégia, somado à derrocada da União Soviética, deixou o PCCH
isolado durante a década de 1990 e o início dos anos 2000. Enquanto isso, alas
significativas do Partido Socialista (PS), a legenda histórica de Allende, passaram por
um processo de “renovação”, renunciando ao marxismo e ao horizonte revolucionário
em favor da democracia liberal. Os socialistas entraram numa aliança com os
democratas cristãos (que tinham apoiado o golpe dado por Pinochet em 1973, mas se
afastaram da ditadura pouco tempo depois), formando um bloco de oposição
democrática e anti-autoritária. O PS e o Partido Democrata Cristão (PDC) foram a base
da Concertación, que concordou em participar de um plebiscito, realizado em 1988,
sobre a permanência de Pinochet no governo.
Graças a uma imensa mobilização e à pressão internacional, a oposição a Pinochet
ganhou – 56% dos chilenos votaram contra a extensão do governo do ditador. No ano
seguinte, a Concertación venceu com facilidade as eleições presidenciais, que foram o
ponto de partida de vinte anos de poder para a coalizão. Mas os governos da
Concertación hesitaram em forçar grandes mudanças ideológicas. Em vez disso,
mantiveram os pilares centrais do modelo neoliberal, legitimado por um novo, embora
limitado, sistema democrático.