® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

Colado na porta de um dos escritórios da loja localizada no bairro do Bronx, no norte da ilha de Manhattan, em Nova York, o adesivo


anuncia: “I love wood”. Ali, todos parecem gostar de madeira. A loja vende o material a preço de ouro e tem preferência pela Tabebuia serratifolia,
nome científico do ipê amarelo, estrela do mercado por sua dureza, sua resistência e pelo traço suave de seus veios. Na tarde de 12 de novembro
passado, nos fundos da loja, empilhados em prateleiras, havia enormes deckings de ipê, como é chamado o corte que resulta em pranchas alongadas e
grossas. Da loja, depois de trabalhado nas marcenarias ao gosto do freguês, o ipê, ou “iron wood”, reaparecerá nos terraços do Upper East Side, nas
coberturas do Soho, nas varandas do Brooklyn. “É uma madeira de luxo, exótica, muito cobiçada no mercado norte-americano”, diz o porta-voz para o
tema de florestas do Greenpeace, Daniel Brinds.


Entre os funcionários da loja do Bronx, nenhum sabia informar com precisão sobre a origem daquele ipê, cujo metro cúbico é vendido ali por 6 mil
dólares. “Sei que a madeira é importada do Brasil, mas não sei dizer diretamente de onde vem”, disse uma funcionária, mal disfarçando a impaciência.
Ninguém sabia, ou dizia não saber, que os deckings de “ipe wood” ou “tropical hardwood” nos fundos da loja escondem uma história exemplar de
crime ambiental, saga descoberta pela piauí que começou no sul do Pará em fevereiro de 2019 e que o Ibama chegou a apurar em sigilo até a
investigação ser enterrada, sem qualquer punição aos criminosos, por uma decisão do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ele próprio sob
investigação por suspeita de colaborar com um esquema de contrabando internacional de madeira da Amazônia.


Em parceria com o consórcio internacional de jornalismo investigativo Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP) e o Center for
Climate Crime Analysis (CCCA), a piauí identificou um lote de ipê extraído ilegalmente no Pará e conseguiu reconstituir todo o trajeto da madeira
clandestina até a loja em Nova York. O lote é constituído por 53 metros cúbicos de ipê amarelo, o equivalente à derrubada de 13 árvores, suficiente para
carregar dois caminhões. Da floresta no Pará, essa quantidade de madeira saiu custando em torno de 21 mil reais. Quando chegou às lojas de Nova
York, depois de percorrer 5,6 mil quilômetros por terra e mar durante três meses, seu preço já estava em 1,8 milhão de reais. No percurso, entre
fevereiro e abril de 2019, valorizou 89 vezes, cinco vezes mais do que a cocaína – não à toa, atraiu o interesse da maior facção criminosa do país, o PCC
(Primeiro Comando da Capital).

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