® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

esquerda (principalmente do PCCH e de outros pequenos grupos radicais) que estava
excluída dos termos da transição.


Como a questão da mudança constitucional se tornou tão importante? Em


primeiro lugar, por causa de seu valor simbólico, uma vez que a Constituição atual foi
um projeto fundacional feito pela ditadura e desempenhou papel importante na
transição incompleta para a democracia. Mas a Constituição também apresenta sérios
problemas para uma democracia funcional, como as “leis orgânicas” que regulam
aspectos centrais do Estado e da economia e um Tribunal Constitucional, composto por
juízes conservadores, que bloqueia muitas das leis reformistas aprovadas pelo
Congresso.


É importante lembrar que somente com os protestos gigantescos e disruptivos de 2019
o governo de direita foi forçado a abrir mão da ordem política desenhada pela
ditadura. Mas o caminho que levou à formação da Assembleia Constituinte não foi
fácil. A repressão aos protestos em 2019 incluiu declarações dramáticas de “guerra” da
parte de Piñera, violações de direitos humanos e a presença das Forças Armadas nas
ruas, o que lembrou os mais sombrios momentos da ditadura militar. Em meio a uma
crise que se intensificava, o Congresso Nacional negociou o Acordo pela Paz Social e
pela Nova Constituição, assinado em 15 de novembro, menos de um mês após o início
dos protestos.


Boa parte da esquerda parlamentar, especialmente o PCCH e setores da Frente Ampla



  • a coalizão de esquerda composta por ex-líderes estudantis –, viu o acordo com
    ceticismo e se recusou a assiná-lo. Um dos pontos mais sensíveis era a exigência de
    maioria de dois terços dos delegados da Assembleia para a aprovação de novos artigos,
    algo que, tendo em vista o equilíbrio eleitoral do poder à época, parecia dar à direita
    um virtual poder de veto. Apesar dessas limitações, outros acreditavam que a situação
    oferecia uma oportunidade sem precedentes para pôr fim à democracia neoliberal da
    transição.


Foi assim que Gabriel Boric, um jovem deputado da Frente Ampla e ele próprio um ex-
líder estudantil, viu a questão, quando, contrariando seu partido, assinou o
documento. A decisão teve consequências surpreendentes para Boric, marcando o
início de sua ascensão como liderança política nacional.

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