® Piauí ed. 185 [Riva] (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1

rendeu uma ação penal na Justiça por ter inserido dados falsos no Sistema de Comercialização e Transporte de Produtos Florestais, o Sisflora, programa
que o Pará usa para controlar a circulação de madeira no estado. A intenção de Tonhão, de acordo com a acusação do Ministério Público, era
“esquentar” 2,1 mil metros cúbicos de madeira ilegal. Ele também é réu em quatro ações civis na Justiça Federal, acusado de desmatar ilegalmente 2,
mil hectares em áreas protegidas no sul do Pará.


No início da década de 2010, quando já era dono de sua primeira madeireira, Tonhão trabalhava como tratorista para o pecuarista e ex-vereador de
Novo Progresso Armando Anversa Faccin, que já foi condenado judicialmente a reparar uma área desmatada por “atividade madeireira ilegal”.
Tonhão também foi funcionário do ex-vice-prefeito de Novo Progresso, Ricardo Faccin, sobrinho do ex-vereador. Os Faccin negam ter relações
comerciais com Tonhão. “Ninguém da nossa família nunca trabalhou no setor madeireiro”, garante o ex-vice-prefeito. Hoje, Tonhão, o grande grileiro,
tem uma modesta barraca de lanches no Centro de Novo Progresso. Ele não quis dar entrevista. “Desculpe, amigo, não tenho informação sobre esses
assuntos”, escreveu no WhatsApp, antes de bloquear a piauí no aplicativo.


Criada em 2006 pelo então presidente Lula, a Floresta Nacional do Jamanxim ocupa 1,3 milhão de hectares a poucos quilômetros da margem oeste da
BR-163. Deveria ser uma floresta intocada, mas a proximidade da estrada, principal via de escoamento da soja de Mato Grosso para os portos do Pará,
vem arrasando com a mata. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Jamanxim é a terceira floresta nacional mais desmatada
da Amazônia. Quase 15% de sua área foi substituída por pastos. Imagens de satélite mostram a floresta sendo rasgada por centenas de quilômetros de
estradas de terra, que os locais chamam de “ramais”. Em 2017, o governo de Michel Temer enviou um projeto ao Congresso reduzindo em 27% o
tamanho da unidade de conservação, mas recuou após intensas críticas por parte de ambientalistas e de organizações não-governamentais.


Espremido de um lado por Jamanxim e de outro pelas terras indígenas Baú e Mekragnotire, do povo caiapó, o perímetro urbano de Novo Progresso,
com seus 25 mil habitantes, fica às margens da BR-163. Os primeiros moradores, vindos de Mato Grosso e da Região Sul, chegaram durante a
construção da rodovia, em 1973, durante a ditadura militar. Desde então, a destruição da floresta é a grande atividade econômica do município, seja
para extrair madeira, abrir novos pastos ou desbravar áreas de garimpo. Na cidade, há dezenas de pontos de venda de máquinas para o garimpo e lojas
de compra e venda de ouro. A estátua de um garimpeiro, com mais de dois metros de altura, enfeita o cruzamento das duas principais avenidas. A
devastação catapulta a violência: de acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Novo Progresso registrou um índice de 100 mortes
violentas por 100 mil habitantes em 2020, mais que o dobro do verificado no Pará e no Brasil, no mesmo período. O crime organizado anda lado a lado
com a destruição da floresta.


Até o prefeito Gelson Luiz Dill, do MDB, tem seu quinhão de terra em área pública. Sua fazenda Carapuça, às margens do rio de mesmo nome, ocupa
784 hectares no meio do parque nacional do Jamanxim (a leste da BR-163), parte ocupado por pasto e boi. Em novembro de 2015, Dill registrou a área
em seu nome no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Criado pelo governo federal em 2012, o CAR é um sistema autodeclaratório cujo objetivo é
regularizar as áreas de proteção ambiental dentro de cada propriedade rural – cabe ao dono registrar o polígono do imóvel e delimitar a reserva de
mata nativa a ser preservada. Apesar da finalidade ambiental, o CAR tem sido utilizado para viabilizar a posse ilegal de terras públicas, sobretudo na
Amazônia.


Na cartilha do grileiro, o primeiro passo é registrar no CAR determinada área dentro de unidades de conservação ou terras indígenas, todas públicas,
como se fosse particular. Em seguida ele invade a área e retira a madeira com valor de mercado. Depois vem o fogo e o plantio de capim, formando o
pasto para o boi, que atesta a ocupação da área, à espera de uma nova lei que atualize a data limite para a regularização fundiária do local – a norma
atualmente em vigor valida a posse de áreas em terras públicas até 2008.

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