Super Interessante (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1
buscas do país, relatou a exclusão do
seu mecanismo de pesquisa de mais
de 50 bilhões de itens de informações
consideradas prejudiciais.
Ao todo, são mais de 300 mil do-
mínios bloqueados aos chineses. Não
há acesso ao Google, ao WhatsApp, à
Netflix, nem ao Telegram. Páginas da
Wikipédia, em todas as línguas, estão
inacessíveis. Veículos de imprensa tra-
dicionais e organizações de direitos
humanos seguem o mesmo caminho.
Assim como o Facebook, Instagram,
YouTube, Snapchat, Tumblr, Pinterest
e Reddit. O TikTok “internacional" é
barrado. Só funciona a versão chinesa.
Dos serviços que você conhece, pou-
cos estão livres. É o caso do Skype e do
FaceTime. De resto, quase nada escapa.
Como fazer para driblar o bloqueio?
Associando-se a uma Rede Privada Vir-
tual - popularmente conhecida como
VPN, um tipo de software que permite
ao usuário disfarçar o seu endereço IP
e contornar a censura. Apelar para essa
estratégia, como você deve imaginar, é
ilegal na China e pode levar à prisão.
O Twitter é um caso peculiar. Em
primeiro lugar, ele também é bloqueado
no país. Chineses podem ser detidos
por publicar suas visões de mundo na
rede social. Em alguns casos, usuários
sofrem batidas policiais e são forçados
a excluir seus perfis – especialmente
aqueles que se aventuram a criticar as
autoridades locais. Hackers também são
convocados para essa tarefa.
Mas, apesar do bloqueio, o governo
chinês também utiliza o Twitter em be-
nefício próprio: como instrumento de
propaganda para o público internacio-
nal. Pequim investe inclusive na criação
de bots para manipular o debate público.
Em 2020, de uma só vez, o Twitter
excluiu 170 mil perfis fake ligados ao
Estado chinês. A prática é frequente. Os
bots são programados para espalhar de-
sinformação a audiências estrangeiras,
promovendo tensão entre grupos sociais,
bagunçando eleições e compartilhando
discursos antiamericanos. A maior parte
desse conteúdo é produzido em inglês.
O objetivo não é apenas obscu-
recer fatos, mas desorientar a pró-
pria democracia.
Os bots também defendem os

interesses econômicos chineses. Por
exemplo, quando o governo da Bélgica
anunciou seus planos de limitar o papel
da Huawei em sua rede 5G, contas falsas
promoveram uma campanha no Twitter
contra as autoridades do país.
Alguns perfis são criados para pos-
tar conteúdo original, enquanto outros
existem apenas para compartilhar e
comentar essas postagens, ajudando a
torná-las mais relevantes.
Os bots, no entanto, não são a única
estratégia. Pequim também promove
campanhas de manipulação com usu-
ários reais. Envolve até a produção de
vídeos, compartilhados por diferentes
contas sociais, com diferentes cidadãos
declamando os mesmos roteiros, com
as mesmas frases. Tudo produzido pelo
departamento de propaganda.
O governo chinês também utiliza
influenciadores estrangeiros para tra-
balhar a seu favor, oferecendo boas
recompensas – desde recursos finan-
ceiros até aumento de relevância so-
cial. O conteúdo promove aquilo que
os chineses chamam de “contar bem a
história da China”.
Alguns desses vídeos são legenda-
dos em múltiplos idiomas e replicados
pelas páginas de embaixadas da China
nas principais plataformas virtuais, al-
cançando milhões de pessoas e melho-
rando a posição desses influenciadores
nos algoritmos. Alguns influenciadores
chegam a viajar a Xinjiang – que a ONU
chama de “zona sem direitos" – para pro-
duzir propaganda estatal. Todo esse con-
teúdo é compartilhado massivamente no
Twitter por uma rede de perfis falsos.
Há pouco tempo, o New York Times
revelou um conjunto de documentos
que oferecem maiores detalhes sobre
como Pequim se organiza no Twitter.
O jornal acusa o governo chinês de
utilizar softwares, associados a regis-
tros públicos e bancos de dados, para
rastrear e silenciar críticos que utilizam

o Twitter fora da China. Isso inclui usu-
ários não-chineses.
O Washington Post também acu-
sa Pequim de “equipar suas agências
governamentais, militares e policiais
com informações sobre alvos estran-
geiros", “explorando as mídias sociais
ocidentais", como o Twitter, no moni-
toramento de críticos não-chineses.
Os softwares promovem vigilância
contra “jornalistas da mídia ocidental”
e “pessoas-chave de círculos políticos,
empresariais e da mídia”.
A China também usa a diplomacia
como instrumento de propaganda. A
abordagem agressiva adotada pelo em-
baixador no Brasil, Yang Wanming, não
é exceção: chama-se Wolf Warrior Diplo-
macy (“Diplomacia do Lobo Guerreiro").
Pesquisadores da Universidade de
Oxford dissecaram essa estratégia no
Twitter. Eles revelam que muitos tuítes
e retuítes de apoio que a diplomacia
chinesa recebe são de perfis falsos –
muitos se passando por contas locais
(inclusive em português).
A diplomacia chinesa tuíta uma mé-
dia de 778 vezes por dia. Em 9 meses,
esses posts geraram 7 milhões de likes,
1 milhão de comentários e 1,3 milhão de
retuítes. Os bots manipulam o algoritmo
da rede social e tornam essas postagens
relevantes para serem recomendadas pe-
lo Twitter a outras bolhas. Em algumas
ocasiões, até 2/3 do engajamento desses
perfis diplomáticos foram impulsiona-
dos por redes de perfis falsos.
Toda essa estratégia, no entanto,
vem rendendo até aqui ínfimos re-
sultados. O governo chinês passa por
uma crise de impopularidade recorde
em praticamente todas as regiões do
mundo. E a estratégia agressiva, hi-
persensível a críticas na comunicação
de sua diplomacia no Twitter, parece
colaborar para esse resultado.
Mas você não encontrará nenhuma
referência a isso na internet chinesa. S

Em 2020, o Twitter excluiu de


uma só vez 170 mil perfis fake


ligados ao Estado chinês.


Edição alexandre versignassi

fevereiro 2022 super 9

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