Super Interessante (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1
protegido contra doença severa, e mes-
mo assim ter um caso leve ou assinto-
mático de Covid: o sistema imunológico
evita que o vírus se multiplique nos
pulmões, mas não o impede de penetrar
na mucosa do nariz – e se replicar ali, de
onde ele pode ser transmitido para ou-
tras pessoas, alimentando a pandemia.
Para conseguir a imunidade mucosal,
a única solução realmente eficaz é aplicar
o imunizante direto no nariz, em spray.
Você não deve ter ouvido falar delas, mas
há uma corrida pelo desenvolvimento
de vacinas nasais contra o Sars-CoV-2:
as universidades Yale, Stanford, Oxford,
Houston e Washington, a empresa chine-
sa CanSino Biologics e a indiana Bharat
Biotech, o Instituto Pasteur, na França, o
governo russo e o National Institutes of
Health americano estão desenvolvendo
e testando imunizantes do tipo.
Não parece tão difícil. É só pegar a
mesma vacina, alterar um pouco a fór-
mula e produzir uma versão em spray,
certo? Mais ou menos. A questão é que,
em situações normais, o muco e as en-
zimas do nariz costumam encharcar,
degradar e remover rapidamente as par-
tículas que chegam pelo ar. É uma defesa
essencial do organismo – mas também
pode atrapalhar as vacinas. Para fazer
uma versão nasal da vacina da Pfizer,
por exemplo, seria preciso redesenhar
as nanopartículas de lipídeos (LNPs) que

carregam o RNA mensageiro para den-
tro do corpo. E isso não é simples: testes
em ratos indicaram que LNPs podem
provocar efeitos colaterais sérios, com
forte inflamação do pulmão (7), se forem
inaladas. Por isso, é pouco provável que
as vacinas de RNA ganhem versão nasal.
Até hoje, apenas uma vacina nasal
foi aprovada para uso em humanos: a
FluMist, contra a gripe comum. Ela
foi inventada em 2003 pelo laborató-
rio americano MedImmune, e tem sido
usada nos EUA desde então. É feita com
vírus influenza “vivo”, mas atenuado. Es-
sa é uma característica comum a todas
as vacinas mucosais, tanto a FluMist
nasal quanto as orais (como a vacina da
poliomielite, que tomamos em gotas).
Elas sempre têm vírus de verdade, só
que enfraquecido. É o melhor jeito de
gerar uma resposta imunológica.
Mas pode ser um problema no caso
do Sars-CoV-2. Para empregar essa
mesma técnica agora, seria preciso
desenvolver uma versão enfraquecida,
porém “viva”, do coronavírus. É algo
completamente diferente das vacinas
atuais (elas usam Sars-CoV-2 inati-
vado, “morto”, ou o vírus ChAdOx-1,
que causa resfriados em chimpanzés e
é inofensivo para humanos). Criar um
vírus enfraquecido é um processo longo,
pois ele tem de ser muito bem testado
para garantir que não há o mínimo risco
de “reversão viral” (em que o patógeno
readquire a força original após entrar
no organismo). Sabe quando você ouve
falar que, antes da pandemia, a criação
de uma vacina levava em média 10 anos?
Era por causa disso.
Mesmo com todos esses desafios,
dois imunizantes nasais já estão em
testes avançados. Um deles é baseado
na vacina da AstraZeneca, já foi aplicado
em hamsters e macacos pelo National
Institutes of Health, e está sendo testado

120


milhões de tratamen-
tos, com todas as do-
ses de Paxlovid, é o
quanto a Pfizer espera
fabricar até o fim do
ano. Não é muito –
mas a empresa autori-
zou a produção de uma
versão genérica.

(7) nical vaccine studies is highly inflammatory. The mRNA-LNP platform’s lipid nanoparticle component used in precli-S Ndeupen e outros, 2021. fevereiro 2022 super 27

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