poderão ser tomados em casa, mediante
receita médica. Funcionam como com-
plemento às vacinas – e são usados logo
no começo da infecção, por cinco dias.
O primeiro foi o molnupiravir (La-
gevrio), do laboratório MSD. Ele já foi
liberado nos EUA e está em análise
na Anvisa (o fabricante negocia com a
Fiocruz a produção no Brasil). Seu me-
canismo de ação é interessante: a droga
“se enfia” no código genético do Sars-
CoV-2, gerando uma onda de erros que
impede a replicação do vírus. Testes in
vitro revelaram que ela funciona contra
todas as variantes, Ômicron inclusive.
Mas, como ela age provocando al-
terações genéticas, alguns cientistas –
incluindo conselheiros da FDA – ma-
nifestaram dois receios (9): o de que o
medicamento possa ser mutagênico
(introduzindo erros no código gené-
tico humano) ou acabe gerando novas
variantes do Sars-CoV-2. O laboratório
nega ambos os riscos; mas, por precau-
ção, o remédio não pode ser tomado por
grávidas. No fim das contas, o grande
porém do molnupiravir acaba sendo a
baixa eficácia. Os primeiros testes apon-
taram 50% de proteção contra Covid
grave, mas ela acabou caindo para 30%.
Esse problema não afeta a segunda
droga: o nirmatrelvir (Paxlovid), que
foi desenvolvido pela Pfizer e reduz
em 89% o risco de hospitalização por
Covid. Ele funciona de uma maneira
totalmente diferente. Quando o coro-
navírus invade uma célula humana e
começa a se replicar, suas cópias “nas-
cem” na forma de uma poliproteína:
uma cadeia contendo todo o material
genético do Sars-CoV-2. Para que ela
se transforme em um novo vírion (uni-
dade do vírus), precisa ser cortada em
pedaços. Isso é feito por uma enzima
picotadora de proteínas, a protease, que
o próprio vírus traz consigo. O Paxlo-
vid neutraliza essa enzima, impedindo
a replicação do vírus. Ele já foi liberado
nos EUA e na Europa, e está sendo
analisado pela Anvisa.
O Paxlovid ainda é escasso, inclusive
nos EUA. A Pfizer espera fabricar doses
suficientes para tratar 120 milhões de
pessoas (sendo 20 milhões nos EUA).
Talvez seja pouco para frear a pandemia.
Mas a empresa cedeu a patente do remé-
dio para a ONU – e uma versão genérica
dele poderá ser fabricada e vendida em
95 países (o Brasil não faz parte da lis-
ta). Quando/se o medicamento estiver
amplamente disponível, poderá mudar
a pandemia: mesmo se houver novas
ondas de casos, o número de hospitali-
zações e mortes não irá disparar.
O remédio da Pfizer não é uma pana-
ceia: com o tempo, o Sars-CoV-2 poderá
modificar sua protease e desenvolver
resistência a ele. Esse tipo de mutação
não é tão trivial quanto as alterações
na proteína spike, com as quais o co-
ronavírus dribla as vacinas, mas pode
acontecer. Existe uma estratégia para
evitar isso: tratar o paciente com dois
inibidores de protease ao mesmo tempo
(como é feito no “coquetel” de medica-
mentos anti-HIV). O problema é que,
por enquanto, só existe um – o próprio
medicamento da Pfizer. O Paxlovid até
contém um segundo inibidor, o ritonavir,
mas ele não age contra o vírus (só está na
8
fragmentos de corona-
vírus estão presentes
na “vacina universal”
que está em desen-
volvimento contra o
Sars-CoV-2 – e poderá
proteger até de
variantes que ainda
não existem.
(9) dical Journal, 2/12/2021. Covid-19: FDA expert panel recommends authorising molnupiravir but also voices concerns. (^10) The SARS-CoV-2 variant, Omicron, shows rapid replication in human primary British Me-
nasal epithelial cultures and efficiently uses the endosomal route of entry. T Peacock e outros, 2021.
30 super fevereiro 2022
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