ainda uma garotinha
de 13 anos, a paulistana
Anita Malfatti já sofria
com a ansiedade preco-
ce de que rumo tomar
na vida. Então teve uma
ideia radical: imaginou
que passar por uma ex-
periência de forte emoção,
uma aventura perigosa
mesmo, poderia lhe dar
algum tipo de iluminação
- e com ela a resposta a
suas incertezas.
Deitou-se no vão entre
os trilhos de uma linha
ferroviária perto de on-
de morava – no bairro da
Barra Funda – e aguardou
para ver o que acontecia.
“Amarrei fortemente as
minhas tranças de me-
nina, deitei-me debaixo
dos dormentes e esperei
o trem passar por cima
de mim”, revelou em um
depoimento de 1939, já
artista consagrada. “O
barulho ensurdecedor, a
deslocação de ar, a tem-
peratura asfixiante de-
ram-me uma impressão
de delírio e de loucura. E
eu via cores, cores e cores
riscando o espaço, cores
que eu desejaria fixar
para sempre na retina
assombrada. Foi a reve-
lação: voltei decidida a
me dedicar à pintura.”
Tempos depois, em
1917, de volta à capital
paulista após estudos
na Alemanha e nos EUA,
Anita, então com 28 anos,
promoveu uma exposição
com dezenas de obras
suas. Em linha com a
vanguarda estética que
viu e praticou no exte-
rior, suas artes remetiam
à paisagem na janela de
um trem veloz. Traziam
cores berrantes, pincela-
das que saltavam da tela
e formas ovais que des-
figuravam a representa-
ção humana... Não eram
nem parentes distantes
das pinturas acadêmicas
que reinavam aqui.
Uma semana após a
abertura da mostra, um
artigo do escritor Mon-
teiro Lobato, publicado
em O Estado de S. Paulo,
condenou, em tom histé-
rico, aqueles traços exóti-
cos. Para o autor do Sítio
do Picapau Amarelo, Anita
havia se deixado seduzir
pelas “extravagâncias de
Picasso e companhia”.
Arte de verdade, segun-
do ele, era a que seguia
“os processos clássicos
dos grandes mestres”. Já
o que Malfatti propunha
seria comparável aos “de-
senhos que ornam as pa-
redes dos manicômios”.
Na ferocidade de seus
comentários, nas ironias,
nas analogias hostis, o
artigo confirmava uma
evidência: aquele país ta-
canho da primeira década
do século 20 nunca tinha
visto inovações como as
de Anita Malfatti. Nem
sabia classificar aquilo.
Já se o crítico fosse um
europeu habituado ao
cubismo, ao expressio-
nismo e outras escolas
emergentes da época, não
restaria dúvida: era arte
moderna. E grande arte.
Monteiro Lobato quis
cancelar essa moderni-
dade em seu berço brasi-
leiro, mas acabou dando
A
→
fevereiro 2022 super 41
SI_436_semanadeartemoderna_NOVO.indd 41 2/10/22 23:51