Super Interessante (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1
Municipal, além de arcar
com os custos de deslo-
camentos de artistas e
transporte de obras de
outros estados. Se a or-
ganização era paulista, o
elenco era interestadual.
O compositor e maestro
Heitor Villa-Lobos, por
exemplo, futuro ídolo de
Tom Jobim, vinha do Rio


  • um lugar distante numa
    época pré-Via Dutra.
    “Não era nada sim-
    ples nem barato”, afirma
    o diretor artístico da
    Fundação Theatro Mu-
    nicipal, Bruno Imparato,
    à frente das celebrações


todos que a Semana de
Arte Moderna não era
só um sarau de artistas,
mas uma mobilização
do topo da pirâmide da
sociedade paulistana.
Se dependesse só dos
intelectuais envolvidos, o
evento provavelmente se
daria num salão qualquer
da Rua Líbero Badaró, a
mais chique da época.
Mas Paulo era filho de
quem tinha mandado
construir a melhor casa
de espetáculos da cidade.
A ele e outros ricaços,
coube pagar a semana
de aluguel do Theatro

e experimental de Glau-
ber Rocha – que em 1976
invadiu o velório de Di
Cavalcanti para filmar, de
surpresa, um minidocu-
mentário, sem combinar
com a família do morto.
Estão também no ver-
so livre dos poetas da dé-
cada de 1930, como Carlos
Drummond de Andrade.
E estão, sobretudo, no
Tropicalismo dos anos
1960, que recupera os
modernistas e abrange
desde a música de Ca-
etano ao teatro de José
Celso Martinez Corrêa.
Passando ainda pelos
parangolés do artista
plástico Hélio Oiticica –
bandeiras ou tendas que
devem ser vestidas, e só
revelam sua expressão ar-
tística com o movimento
de quem as usa.
Tudo isso, claro, tem a
ver com a obra dos mo-
dernistas como um todo,
não apenas com o que
eclodiu naquela semana.
Até porque, na ocasião, o
poder transformador da
cultura se ouvia mais no
discurso que nas obras.
Os porta-vozes literários
do movimento, Mário e
Oswald, só se confirma-
riam autores modernistas
depois: o grande roman-
ce de Mário de Andrade,
Macunaíma, é de 1928,
mesmo ano do Manifesto
Antropófago, de Oswald.
Mas o fato é que a
Semana de 22 foi para
a cultura brasileira um
acelerador tão impor-
tante quando o café foi
para a economia. Com
uma diferença: hoje a
commodity responde
por meros 2% das nossas
exportações. Já a Semana
de Arte Moderna dei-
xou frutos que seguem
se multiplicando.
Belo investimento,
cafeicultores. S

do centenário da Sema-
na de Arte Moderna. “O
pernambucano Vicente
do Rego Monteiro com-
pareceu com oito quadros.
Hoje, trazer telas do Recife
para São Paulo sem da-
nificá-las já é um desafio
complexo. Cem anos atrás,
então, era quase uma im-
possibilidade logística.”
Há rumores de que
Prado teria até pagado
uma claque para vaiar
as apresentações no se-
gundo dia do evento – os
aplausos bem-comporta-
dos na estreia não combi-
naram com a repercussão
que ele esperava.

Modernismo
que renasce
A frequência à exposição
de arte no hall de entra-
da, onde estavam obras
de Anita Malfatti, Di Ca-
valcanti, Rego Monteiro
e do escultor Victor Bre-
cheret, entre outros, era
gratuita, mas assistir às
apresentações musicais,
balés, poemas e palestras
exigia ingresso pago.
Entre os intelectu-
ais e artistas presentes,
Oswald e Mário recita-
ram poemas e falaram
sobre a estética moderna.
Villa-Lobos teve obras
executadas em todos os
três dias da Semana, e a
estrela do piano, Guiomar
Novaes – que nada tinha
de modernista –, fez a ale-
gria do público.
Quando a Semana aca-
bou, para frustração de
seus mecenas, São Paulo
não virou, da noite para
o dia, a capital brasileira
da arte moderna. Talvez
nunca tenha se tornado o
que aquele grupo de in-
telectuais e milionários
sonhava. Mas é certo que
deixou legados.
Eles podem ser vis-
tos no cinema poético

4 zé celso, aclama-
do dramaturgo e dire-
tor, costuma sugerir
que a plateia interaja
com atores nus em
algumas montagens.
Seu teatro, conside-
rado “antropofágico”,
tem uma forte ligação
com o modernismo. A
adaptação de O Rei da
Vela, peça de Oswald,
é um marco das artes
cênicas no Brasil.

3 clarice lispector^
Nascida na Ucrânia, a
escritora se encaixa na
Terceira Geração do
Modernismo (1945–
1960) ao preferir
tramas com questões
cotidianas, marcadas
pela reflexão psicoló-
gica. É autora de obras
essenciais da nossa
literatura, como A
Hora da Estrela e Perto
do Coração Selvagem.

3
DIAS
foi o que
durou, de
verdade,
a Semana
modernista:
13, 15 e 17
de fevereiro
de 1922.

herdeiros do


modernismo-raiz


4


fevereiro 2022 super 45

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