Super Interessante (2022-02)

(EriveltonMoraes) #1
usando amostras de DNA,
no Reino Unido (1). E es-
se poderia ser o caminho:
DeAngelo usava luvas
para não deixar digitais
na cena do crime, porém
não tomava tanto cuida-
do com seu esperma,
que foi bem preservado
em laboratório.
Mas a polícia só
identificou o assassino
em 2018, após mais de
40 anos de investiga-
ção. Ele era ex-policial
e sabia como acobertar
pistas. Seu DNA não
batia com nenhum dos
perfis armazenados na
base de dados genéticos
de criminosos dos Esta-
dos Unidos. O FBI, então,
recorreu à genealogista
Barbara Rae-Venter.
Ela já usava genética
e genealogia para en-
contrar os pais biológi-
cos de pessoas adotadas,
mas resolver crimes era
algo novo. Rae-Venter
usou a mesma metodo-
logia com a qual estava
acostumada: fez o upload
dos dados genéticos do
Golden State Killer em
uma plataforma aberta
chamada GEDmatch, que
compara trechos de DNA
de diferentes pessoas.
Esse tipo de platafor-
ma existe por causa dos

testes de ancestralidade.
É o serviço prestado por
empresas como a An-
cestryDNA, a 23andMe,
e a brasileira meuDNA.
Pessoas comuns mandam
amostras de saliva com
seu material genético, e
então essas companhias
comparam o DNA delas
com a de outros clientes
que fizeram a mesma
coisa. E voilà: você pode
descobrir que a maior
parte dos seus genes
veio do sul da África; e
eventualmente se há um
neto bastardo do seu bi-
savô vivendo no Canadá.
Cada empresa tem seu
banco de dados privado.
Já o GEDmatch é uma es-
pécie de “metasserviço”:
clientes que fizeram seus
testes pela 23andMe, por
exemplo, podem baixar
seus dados (em Excel) e
fazer o upload lá. Outra
pessoa, que testou pela
AncestryDNA, faz a mes-
ma coisa. O GEDmatch
cruza esses dados e, even-
tualmente, ambas podem
descobrir que são primas
em terceiro grau (ou se-
ja: que têm um tataravô
em comum).
O que ninguém espera,
porém, é que o familiar
desconhecido seja um
criminoso. Rae-Venter
fez o upload do DNA do
Golden State Killer no
GEDmatch para ver se
encontrava parentes do
assassino. E achou mes-
mo: algumas pessoas
ali tinham semelhança
genética o bastante para

serem primos de terceiro
ou quarto grau do sujeito.
Depois, reconstruiu 25
árvores genealógicas des-
ses parentes usando da-
dos públicos (obituários,
registros de casamento,
certidões de nascimen-
to etc.), até achar o nome
do ancestral comum mais
próximo entre todos eles.
Só alguns dos descen-
dentes desse ancestral
comum tinham criado
seus filhos na Califór-
nia, o que a levou a uma
lista de nove suspeitos.
Um dos alelos conheci-
dos no DNA do Golden
State Killer indicava que
ele tinha olhos azuis. E só
um dos suspeitos mos-
trava esse fenótipo: um
californiano chamado
Joseph DeAngelo.
Pela sequência de
crimes hediondos – jun-
tando as atrocidades em
regiões diferentes, a soma
chegava a 13 assassinatos
e 50 estupros conhecidos
–, a prisão de DeAngelo
foi o primeiro caso de
grande repercussão nos
Estados Unidos resolvido
por meio da genealogia in-
vestigativa. Dali em dian-
te, mais de 300 casos já
foram solucionados dessa
forma nos EUA – algo que
só foi possível graças ao
crescimento dos testes
de ancestralidade.

Decodificando o DNA
“Teste de DNA” é um con-
ceito genérico. Você pode
fazer um para descobrir
quem é o seu pai ou para

pesquisar fatores ligados
a uma doença autoimune.
Dependendo da finalida-
de, as técnicas necessárias
podem ser tão diferen-
tes quanto um iPhone e
um orelhão.
Vale uma revisão do
que é o DNA. As células
do seu corpo guardam
um manual de instruções
que ensina a fazer você: a
quantidade de dedos em
cada mão, a cor do cabelo,
quais enzimas digerem o
seu almoço. Esse manu-
al vem escrito inteiri-
nho com apenas quatro
letras: A, C, T e G. Você
leria algo como AATGT-
GCC... repetido 6 bilhões
de vezes. O seu livro de
receitas é do tamanho de
mil bíblias.
Essas letras, na ver-
dade, são as bases nitro-
genadas adenina, citosi-
na, timina e guanina. E
elas estão organizadas
em longas fitas de DNA
compactadas no núcleo
das células. Essas fitas
se dividem em 46 ema-
ranhados: os cromosso-
mos. Você recebe 23 da
sua mãe e 23 do seu pai.
Os manuais de instru-
ções de todos os seres hu-
manos são praticamente

A polícia só
identificou o
Golden State
Killer em
2018 – após
mais de
40 anos de
investigação.

48 super fevereiro 2022

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